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há 3 dias
Percepções sobre a solidariedade humana: perspectivas de Daisaku Ikeda sobre o verdadeiro aspecto da vida e da humanidade
Minoru Harada
01/09/2025

Participaram do evento, pesquisadores da Universidade Islâmica Internacional, representantes de embaixadas e membros da Soka Gakkai Malásia. Após o encerramento, todos se reuniram para uma foto comemorativa. Foto: Seikyo Shimbun
Construir a paz da humanidade junto com as pessoas de bom senso do mundo
Evento de intercâmbio inter-religioso no Instituto de Pensamento e Civilização da Universidade Islâmica Internacional da Malásia (ISTAC-IIUM): palestra do presidente Minoru Harada (tópicos principais)
O dia 24 de agosto é uma data memorável para nós, ocasião em que o terceiro presidente da Soka Gakkai, nosso mestre, Daisaku Ikeda, iniciou a jornada da fé e do caminho de mestre e discípulo aos 19 anos, em 1947. É uma data em que não podemos deixar de nos emocionar profundamente.
No dia de hoje, peço permissão para discorrer sobre uma parte da filosofia humanística que aprendi do meu mestre, Ikeda sensei.
No Sutra do Lótus, foi elucidado que Shakyamuni não se tornou Buda pela primeira vez na atual existência, mas sim o “Buda eterno” desde o passado infinitamente remoto até o futuro sem fim. Além disso, prega que todos os seres vivos, isto é, cada pessoa e cada ser vivo deste mundo, possui a vida de um buda. No capítulo 16, “A Extensão da Vida”, do Sutra do Lótus, considerado o mais importante dos 28 capítulos desse sutra, há uma passagem que afirma: “Aquele que Assim Chega percebe o verdadeiro aspecto do mundo tríplice exatamente como ele é”.1 Elucida que, com seus olhos límpidos, “Aquele que Assim Chega”, isto é, o Buda, percebe o verdadeiro aspecto do mundo tríplice — o mundo real, repleto de ilusões e de sofrimentos — exatamente da forma como ele é. Com relação a essa passagem do sutra, Nichiren Daishonin, a quem abraçamos nossa fé, declara que “Aquele que Assim Chega”, aqui citado, não se refere apenas a Shakyamuni, mas sim a todos os seres vivos. Diz ainda que o mundo tríplice, o qual “Aquele que Assim Chega percebe o seu verdadeiro aspecto”, indica a sociedade com os sofrimentos reais chamados “nascimento, envelhecimento, doença e morte”. Ele afirma que a tentativa de escapar dos sofrimentos e do medo desta “vida e morte” é designada “ilusão”. Por outro lado, o ato de perceber a “vida e morte” como uma função inerente à vida eterna é referido como “iluminação”.
No mundo real, ninguém consegue escapar dos sofrimentos de nascimento, envelhecimento, doença e morte. Entretanto, da perspectiva das três existências da vida — passado, presente e futuro —, esse ciclo é inerente à vida naturalmente, e a “morte” não é algo que sinaliza o fim. Da mesma forma que dormimos à noite para repor as energias para o dia seguinte, a morte é como o período de recarga para a próxima existência. Portanto, dentro da continuidade entre o passado remoto e o futuro sem fim, devemos escolher um modo de vida responsável, sem desviar os olhos do momento presente. Essa é a nossa visão de vida.
Os jovens são o tesouro
Esse tipo de interpretação do Sutra do Lótus feito por Nichiren Daishonin está assinalado em uma escritura denominada Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente. Por ter lido o Sutra do Lótus com a própria vida, Daishonin sofreu inúmeras perseguições em conformidade com as passagens desse sutra. Mesmo diante dessas perseguições, ele permaneceu fiel à sua crença de salvar as pessoas, obtendo assim a compreensão da essência do Sutra do Lótus sobre a qual fez a preleção aos seus discípulos a pedido deles nos últimos anos de sua vida. Esse Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente, que pode ser considerado o núcleo do Budismo Nichiren, foi explanado por Ikeda sensei ao longo de cinco anos, desde 1962, um período extremamente atarefado, começando logo depois de dois anos de sua posse como terceiro presidente da Soka Gakkai. A explanação foi dirigida aos estudantes universitários, e eu era um deles.
As explanações de Ikeda sensei eram totalmente diferentes das aulas da faculdade. Ele nos orientava com extremo rigor sobre a postura como praticantes ao estudarmos os sutras e o espírito de procura que deveríamos ter. Com base nisso, ele sempre nos explanava de forma clara e concreta para que pudéssemos aplicar os princípios profundos e, portanto, difíceis, do budismo em nossa própria vida, ao nosso dia a dia e em nossa existência. E, ainda, ele se preocupava com as despesas de subsistência, de alimentação e de locomoção dos participantes que, em sua maioria, eram estudantes com dificuldades financeiras. Além do conteúdo das explanações, o comportamento do Mestre, similar ao de carinho e rigorosidade de um pai ou de uma mãe, se tornou o ponto primordial do pensamento, da fé e do modo de vida daqueles estudantes, inclusive o meu.
Quando o ex-primeiro-ministro da Malásia, Mahathir bin Mohamad, e Ikeda sensei se encontraram em 2000, o primeiro assunto que discutiram e chegaram à plena concordância foi sobre o tema “Os Jovens São o Tesouro”. As ações do Mestre em amar, proteger e desenvolver sempre os jovens, que assumirão o futuro da humanidade, foram herdadas pelos seus discípulos e se tornaram o princípio norteador para estabelecer como nosso tema anual a “Força Jovem da Soka Gakkai”. Estamos decididos a continuar dedicando todos os esforços na criação dos jovens para que assumam o futuro, não somente na Malásia, mas em todo o mundo.
Todas as pessoas são dignas
Ao mesmo tempo, é nosso desejo contribuir ainda com mais força em prol da paz mundial e do entendimento mútuo. Estamos convictos de que a chave para alcançar isso é “perceber o verdadeiro aspecto da forma como ele é”.
Em 8 de setembro de 1968, visando um futuro de paz e de coexistência, Ikeda sensei propôs a normalização das relações diplomáticas entre Japão e China. Na época, o conflito entre Estados Unidos, China e União Soviética se intensificava, e o fato de ele ter feito declarações pró-China foi recebido no Japão com críticas ferozes, até em situações que punham sua vida em risco. No entanto, Ikeda sensei expressou confiantemente sua crença na amizade. Tal proposta foi apresentada, também, diante dos estudantes universitários.
Quatro anos mais tarde, depois de superar muitas dificuldades, as relações diplomáticas entre Japão e China foram restabelecidas e, em maio de 1974, ocorreu a primeira visita de Ikeda sensei à China. Como membro da comitiva dessa viagem, eu também me engajei diligentemente nos preparativos. Conversando com as pessoas envolvidas, compramos uma montanha de livros difíceis e materiais informativos. Certo dia, Ikeda sensei apareceu de repente na sala de preparativos. Quando pensava que nos elogiaria pelo árduo esforço, ele afirmou bruscamente:
Pensando no que estariam fazendo, encontrei exatamente o que esperava. Não é possível entender sobre a verdadeira China somente reunindo materiais informativos. Pelo contrário, serão influenciados por visões preconcebidas e não conseguirão compreender a realidade. O importante, como budista, é “perceber o verdadeiro aspecto da forma como ele é”. Tirem todos os materiais coletados de cima da mesa.
Então, jogou os livros que estavam sobre a mesa no chão. Eu me senti como se estivesse despertando.
Desde aquela primeira visita à China, Ikeda sensei sempre enxergou a China com o pensamento de “perceber o verdadeiro aspecto da forma como ele é”. Como alguém que põe em prática o budismo, o qual prega que todos possuem inerentemente a vida do Buda e são indivíduos com dignidade incomparável, ele se encontrou e conversou com as pessoas, estreitando a amizade e criando a confiança. Sensei dialogava não somente com as figuras importantes envolvidas, mas também com as pessoas comuns nas ruas, sem nenhuma reserva. Houve uma cena em que, ao ser indagado por uma menina — “Tio, o senhor veio fazer o que na China?” —, sensei respondeu prontamente: “Eu vim me encontrar com você”.
Diante dessas ações humanísticas, transcendendo as crenças e as posições políticas, o primeiro-ministro Zhou Enlai, que estava gravemente enfermo na época, recebeu Ikeda sensei para um encontro, durante a sua segunda visita à China, em dezembro daquele ano, mesmo contrariando as pessoas à sua volta. Correspondendo com a mesma lealdade do primeiro-ministro Zhou, que o recebeu arriscando a própria vida, Ikeda sensei continuou contribuindo para a amizade entre os dois países ao longo de sua existência.
Relembrando o passado, cada um dos mais de 1.600 diálogos de Ikeda sensei com líderes e intelectuais do mundo — entre eles o Dr. Arnold J. Toynbee, que se tornou o motivo para que o ex-reitor Mohd Daud Bakar conhecesse Ikeda sensei; e o ex-presidente da Indonésia Abdurrahman Wahid cuja versão em malaio do diálogo entre os dois foi publicada pela editora de sua universidade — foi um exemplo prático do ato de “perceber o verdadeiro aspecto da forma como ele é”.
Naturalmente, para que ocorra uma conversa frutífera, os pré-requisitos do conhecimento e da educação são imprescindíveis. Porém, por mais que se coloque muitas informações na cabeça, se não houver máximo respeito pelo outro e uma mente aberta para conhecê-lo a fundo, é impossível construir uma verdadeira amizade. No trabalho para superar o apego às diferenças, encontrar pontos em comum como seres humanos e chegar à concordância, é indispensável uma filosofia que sirva como base. Como alguém que teve o privilégio de estar presente em diversos diálogos inspiradores de vida a vida de Ikeda sensei, estou convencido de que, por ele ter “percebido o verdadeiro aspecto da forma como ele é” do ser humano, da sociedade e do mundo, com base na filosofia budista, havia em suas conversas a criação de valor.
Embora a globalização tenha se espalhado tanto no mundo, não se pode dizer que já tenha sido criado um profundo entendimento mútuo entre o islamismo e o budismo. É inevitável dizer que, mesmo no Japão, há uma realidade marcada por muitos mal-entendidos e preconceitos sobre o islamismo decorrentes de estereótipos. Por isso mesmo, não podemos deixar de sentir profunda simpatia e respeito pela postura nobre de seu instituto visando encontrar um ponto comum entre os dois pensamentos, contribuir para a paz, a coexistência e a solução dos problemas comuns da humanidade.
De nossa parte, também, desejamos sinceramente fortalecer ainda mais a rede solidária com seu instituto, pelo bem do futuro da humanidade, “percebendo o verdadeiro aspecto da forma como ele é” da sabedoria do islamismo, com olhos límpidos.
Valores comuns
Por ocasião do encontro realizado em junho [de 2025], o ex-diretor do instituto, Abdelaziz Berghout, nos ensinou sobre os quatro valores fundamentais do islamismo.
O primeiro é a “compaixão”. No budismo, também, a compaixão é um valor fundamental conforme Nichiren Daishonin afirma em Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente: “Tanto si mesmo quanto os outros, juntos, sentirão alegria em possuir sabedoria e compaixão”.2
O segundo é o senso ético como “representante honrado”. Ele nos ensinou que nossa missão, como esse representante, é criar o relacionamento com Deus, a própria pessoa, todos os outros que possuem variadas visões de mundo e com o universo. Por outro lado, nós nos consideramos bodisatvas da terra que surgiram em número incalculável no Sutra do Lótus para salvar as pessoas dos Últimos Dias da Lei. Nós objetivamos a nossa felicidade e a das outras pessoas, usufruindo uma existência exemplar como “bons cidadãos”, recitando altivamente Nam-myoho-renge-kyo, a lei fundamental do universo, que Nichiren Daishonin descreveu da seguinte forma: “Se não fossem bodisatvas da terra, não seriam capazes de recitar daimoku [Nam-myoho-renge-kyo]”.3
O terceiro é a “paz”. A visão ética do Alcorão de que “o ato de matar uma pessoa é o mesmo que matar toda a humanidade” ressoa profundamente com o ensinamento de respeito à vida do budismo, conforme afirmou Nichiren Daishonin: “Não matar seres é o primeiro de todos os vários preceitos”4 e “A vida é o tesouro mais valioso de todos”.5
O quarto é a “justiça”. Pelo bem das pessoas que passavam por sofrimentos extremos de desastres naturais, fome e epidemias, Nichiren Daishonin enviou para a autoridade máxima da época o Rissho Ankoku Ron. Era um tratado de admoestação para trazer paz e segurança ao país, estabelecendo a justiça e a Lei correta. Nossa crença eterna é a de nos levantar com justiça e concretizar a felicidade das pessoas por meio da justiça.
Quanto mais conversamos e aprendemos, mais profunda se torna nossa empatia pelos ensinamentos do islamismo. Acredito que isso se deve ao fato de que, como religião mundial, que veio sendo apoiada por muitas pessoas ao longo do tempo, ela visa essencialmente aos valores comuns da “felicidade do ser humano” e da “paz do mundo”.
Em 1974, ano de sua primeira visita à China, Ikeda sensei viajou também para os Estados Unidos, onde afirmou, em um diálogo com os jovens: “As pessoas não existem em prol da religião, mas é a religião que existe em prol das pessoas. O impasse da civilização moderna é decorrente do fato de a religião ter se distanciado completamente das pessoas”. E, como se quisesse chamar a atenção de todos nós, acompanhantes da comitiva, ele nos disse: “O que acabei de falar agora é algo extremamente importante. Lembrem-se bem disso”.
Soube que há um maravilhoso provérbio em seu país: “As árvores vivem para dar frutos. As pessoas vivem para contribuir em prol da sociedade”. Seja na fé, na vida, no diálogo, seja na amizade, a verdadeira realização e a criação de valor se encontram em não perder de vista o propósito fundamental. Mesmo que sejam ações modestas, se forem sinceras e honestas com a pessoa diante dos seus olhos, acredito que elas trarão resultados na forma de contribuição social e de paz mundial, próprios de um ser humano.
O tema central dos romances Revolução Humana e Nova Revolução Humana de Ikeda sensei é: “A grandiosa revolução humana de uma única pessoa um dia impulsionará a mudança total do destino de um país, e além disso, será capaz de transformar o destino de toda a humanidade”.
Hoje, a humanidade está diante de vários problemas que precisamos enfrentar juntos. Como “uma única pessoa” com potencial ilimitado, desejamos herdar os ideais do nosso mestre, Ikeda sensei, junto com os companheiros de todo o mundo, especialmente os jovens, incorporando os pensamentos dele, unindo-nos sempre às suas ações, assumindo o desafio de resolver esses problemas e, com os olhos límpidos, “perceber o verdadeiro aspecto do século 21 da forma como ele é”. Estamos decididos a contribuir para o futuro de paz e de felicidade da humanidade, expandindo a rede solidária das pessoas de bem e de bom senso de todo o mundo, dotadas de verdadeira razão e sabedoria, representadas pela sua universidade e seu instituto.
Notas:
1. The Lotus Sutra and its Opening and Closing Sutras [Sutra do Lótus e seus Capítulos de Abertura e Conclusão]. Tradução: Burton Watson. Tóquio: Soka Gakkai, p. 267.
2. The Record of the Orally Transmitted Teachings (Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente). Tradução: Burton Watson. Tóquio: Soka Gakkai, p. 146.
3. Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. I, p. 404, 2020.
4. Ibidem, v. II, p. 286, 2017.
5. Ibidem, p. 221.
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