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Especial
há 13 anos

Makiguti e o brado pelos direitos humanos

Entrevista

20/07/2012

Makiguti e o brado pelos direitos humanos
Como era o presidente Tsunessaburo Makiguti? Sadako Yamada: Em agosto de 1941, dois meses após entrar para a Soka Gakkai, participei do Curso de Verão, realizado no Templo Principal. Lá, Makiguti Sensei nos ensinou sobre o bem e o mal causados pelas religiões: “Já com a idade avançada, Nitimoku Shonin fez repetidas admoestações ao governo (...). Esse espírito de admoestação é em si o espírito da Gakkai”. Ele nos orientou como se estivesse fazendo penetrar esse espírito em nossa vida. Fiquei bastante emocionada, e falei sobre os erros de cultuar nacionalmente a Deusa do Sol aos meus chefes do trabalho e amigos, e convidei-os para participar de uma reunião de palestra.

Ken’nosuke Yoshida: Havia um ar solene e majestoso na figura de Makiguti Sensei, mas ele era também uma pessoa próxima e calorosa. Minha mãe foi à sua casa diversas vezes para receber orientação individual.

Como eram as reuniões da Soka Gakkai sob a vigilância da polícia? Takehisa Tsuji: Sem recuar um passo sequer, Makiguti Sensei seguiu realizando o Chakubuku com o espírito da pacificação da nação por meio do ensinamento correto (com base no Risho Ankoku Ron, de Nitiren Daishonin). Eu estava preparado e consciente de que a opressão viria a qualquer instante. Nas reuniões de palestra, sempre havia a presença da polícia especial, e, quando o assunto extrapolava, eles gritavam num tom ameaçador: “Parem! Parem!”

Yasu Kashiwabara: Quando a polícia especial estava presente, ficávamos amedrontados e assustados. Porém, com Makiguti Sensei era diferente. Com atitude altiva e destemida, ele falava sem relutância e afavelmente aos detetives: “Sejam bem-vindos. Venham para cá!” E harmonizava a situação dizendo a todos: “Chegaram os convidados”. Mesmo em meio a um movimento ameaçador, Makiguti Sensei tomava a liderança, sem se intimidar ou retroceder um único passo. Mais que isso: determinado, ele bradou e avançou contra o autoritarismo militar, sem se deixar incomodar com o clero covarde e medroso, afirmando: “Agora é o momento de admoestarmos o governo”.

Em maio de 1943, o presidente Makiguti ficou detido por uma semana. Como foi esse período? Sadako Kaneko: Antes de ser preso, meu sogro (Makiguti Sensei) ficou sob custódia na delegacia de Nakano durante uma semana no mês de maio, acusado pelo crime de lesa-majestade. Um líder da época realizou um Chakubuku e, por conta própria, eliminou os objetos heréticos do altar xintoísta (hobo-barai, em japonês). Um vizinho presenciou esse momento denunciou o fato à polícia, que passou a investigar Makiguti Sensei como responsável por essa instrução. Quando fui visitá-lo, o policial, querendo se mostrar importante, colocou os pés sobre a mesa e disse com muita arrogância: “Tudo depende da minha vontade. Vou permitir que entregue artigos de necessidade para o prisioneiro”. Assim, durante uma semana, levei todos os dias esses artigos ao meu sogro.

Como foi a ação dos policiais aos demais membros e líderes da Soka Gakkai? Shoji Tanaka: Eu estava com 16 anos e me lembro nitidamente da investida dos policiais à minha casa, na cidade de Yame, Fukuoka. Em março de 1944, ao amanhecer, quatro ou cinco investigadores invadiram nossa residência sem ao menos tirar os sapatos, dizendo: “Mostrem-nos o interior da casa”. Fiz o que mandaram. Minhas duas irmãs pequenas tremiam e choravam num dos cantos da casa. A polícia especial agiu como se não fôssemos seres humanos. Revistaram tudo, minuciosamente, a começar pelo forro do teto. Levaram também nosso Gohonzon.

Michiko Kitamura (irmã do Sr. Tanaka): Eu tinha 10 anos quando a polícia especial entrou em nossa casa. Minha mãe, sagazmente, escondeu as seis cartas recebidas do Makiguti Sensei e as anotações que ele havia feito por ocasião das orientações individuais. No entanto, a polícia especial percebeu que ela havia escondido algo e deu-lhe um chute. No momento em que ela caiu, as cartas voaram diante de seus olhos. A polícia especial gritou: “Sua mulher!” Papai e mamãe foram levados para a delegacia. Mamãe retornou, mas papai ficou detido por dois dias. Depois desse acontecimento, as pessoas colaram cartazes na entrada de nossa casa com os dizeres: “desavergonhados”, “antipatriotas” e “espiões”. Além disso, jogaram pedras em nós.

Qual foi a reação das pessoas próximas à família do presidente Makiguti diante de sua prisão? Sadako Kaneko: Com a prisão de Makiguti Sensei, as pessoas deixaram de vir à nossa casa. Os vizinhos também ficaram com medo e se afastaram de nós. Os membros da Soka Gakkai, por medo ou por terem ido para o interior se refugiar dos bombardeios aéreos, também deixaram de frequentar a nossa residência.

Como era a rotina na prisão? Takehisa Tsuji: Toda Sensei contou-me certa vez que a prisão era como um inferno. Os exercícios físicos podiam ser feitos somente dez minutos por dia e o banho era permitido apenas uma vez por semana. No início, as refeições eram compostas por arroz branco, sopa de soja e conserva de nabo. Com o avanço da guerra, a comida foi piorando cada vez mais, e acabou se tornando painço, milho, sorgo e água salgada. Soube que, em meio a isso, Makiguti Sensei não deixava de realizar o Gongyo da manhã e da noite, e lia constantemente o Gosho. Nos interrogatórios, ele dizia: “Vamos debater!” E, no final, ele fazia Chakubuku nos inquiridores.

Sabemos também que o presidente Makiguti sempre enviava cartas à sua família, totalizando 31 cartas que estão guardadas até hoje. Conte-nos mais sobre esses textos. Sadako Kaneko: Makiguti Sensei persistiu na prática da fé sem mudar sua determinação, mesmo estando preso. Senti que ele se dedicava com muita disposição. Não havia uma única frase em que dissesse estar sofrendo. Numa de suas cartas consta: “Meu trabalho desses dias tem sido concentrar-me somente na prática da fé. Só de estar fazendo isso não sinto nenhuma insegurança. Dependendo de como se posiciona o coração, há segurança mesmo no inferno”. Entretanto, meu sogro deu aulas durante muito tempo e, por trabalhar de pé, estava sofrendo com problemas de má circulação nos pés. Certa vez, ele me escreveu que seria gratificante se eu lhe enviasse uma bolsa de água quente. Pensei nas dificuldades que Makiguti Sensei estava passando.

Como foi a visita dos sacerdotes do clero da Nitiren Shoshu à casa da família Makiguti? Sadako Kaneko: Quando Makiguti Sensei estava preso, dois sacerdotes vieram à nossa casa. Eles queriam transmitir o seguinte pensamento do Templo Principal: “Queremos que, em vez de ele ficar se esforçando para sempre, obedeça ao que o outro lado [o governo militarista] lhe diz e saia logo da prisão. Queremos que transmita isso ao presidente Makiguti”. No Templo Principal, todos os sacerdotes estavam amedrontados, temendo sofrer alguma represália do governo. Porém, Makiguti Sensei não daria ouvidos a uma coisa dessas. Sensei foi para o cárcere dizendo o que era correto. Seria completamente inútil escrever uma carta com o pedido dos sacerdotes para que ele renunciasse à sua convicção. Por isso, resolvi não escrevê-la.

Em agosto de 1944, Yozo, terceiro filho de Makiguti faleceu na China, na linha de combate durante a Segunda Guerra Mundial. Como o presidente Makiguti soube desse fato? Sadako Kaneko: Comunicar ou não a morte do meu marido Yozo?! Fiquei preocupada com a reação de Makiguti Sensei diante da notícia. Será que ele ficaria abatido. Minha sogra e meus familiares pediram-me para não transmitir a ele esse fato. Havia pessoas que diziam que, se o comunicasse, Makiguti Sensei poderia desistir e voltar para a casa. Por um mês, fiquei refletindo sobre qual atitude tomar, pois meu marido, Yozo, era realmente muito importante para Sensei. Apesar disso, no fim, decidi que deveria comunicá-lo. Tomei coragem e enviei-lhe uma carta.

Qual foi a reação do presidente Makiguti? Sadako Kaneko: Em 13 de outubro, recebemos uma carta do meu sogro sobre seu sentimento quanto à morte de Yozo. Diz um trecho: “Fiquei chocado, profundamente triste. Porém, mais importante que ficar triste, estou preocupado pelo quão triste isso deve ser para vocês duas [Sadako e Kuma, esposa de Makiguti]. Mas fiquei aliviado por sua esplêndida resolução, como expresso na carta”.

Um mês após esse fato, a saúde do presidente Makiguti ficou ainda mais precária. Como foram esses seus últimos dias de vida? Sadako Kaneko: Recebi um telegrama da Centro de Detenção de Tóquio no dia 17 de novembro, dizendo-nos que ele estava gravemente enfermo. O telegrama chegou quando começava a anoitecer. Na noite anterior ao recebimento do telegrama, sonhei que ia à prisão levar a Makiguti Sensei alguns itens que ele estava precisando. No meu sonho, pensava: “Por causa dos piolhos, Sensei deve estar precisando de roupas limpas”. No sonho, ainda, ele estava de pé, sorrindo próximo à cabeceira da cama. Ao terminar de ler o telegrama, fui imediatamente vê-lo. Ao chegar às pressas, um dos funcionários contou-me o que havia ocorrido no centro de detenção e me atendeu atenciosamente. Ele me disse: “Como o Sr. Makiguti estava se sentindo mal, pedi-lhe: ‘Por favor, transfira-se para a enfermaria’. Ele estava cambaleando por causa da desnutrição, e então me propus a carregá-lo nas costas. Mas ele me respondeu: ‘Não sou digno. Eu vou andando’. Assim, começou a caminhar, porém caiu uma vez. Chegou com muito esforço à enfermaria. Deitou-se na cama e adormeceu”. Esse funcionário me falou ainda: “Quero fazer o que for necessário para devolvê-lo à sua casa enquanto ainda respira. Se fosse possível falecer sobre o tatame da sua residência, gostaria de poder lhe proporcionar isso. Vou providenciar um carro”.

E ele conseguiu o carro? Sadako Kaneko: Ele se esforçou dedicadamente para arranjar um carro, mas não conseguiu. Sequer encontramos uma carreta puxada por bicicleta, muito comum naquela época. A atitude desse funcionário tocou meu coração. Pedi para ficar com Makiguti Sensei enquanto fosse possível. Chamei “Papai” várias vezes, mas não houve resposta. Estava preocupada e então dei uma rápida olhada debaixo das cobertas para verificar em que condições se encontravam suas meias tabi [um tipo de meia utilizada com roupa tradicional japonesa] e sua roupa de baixo. Soube que tinha vestido roupas limpas. E me ocorreu que ele havia se preparado para morrer. Debaixo do travesseiro havia uma pilha de cartas muito bem-arrumada, colocada de modo a ser localizada com facilidade. Mesmo consciente de sua morte, Makiguti Sensei teve essa calorosa preocupação conosco. Foi realmente uma grandiosa pessoa até o último instante, assim pensei. Após isso, passei por diversas dificuldades na vida, mas consegui me esforçar pensando no exemplo do Makiguti Sensei, pois ele nos ensinou até fim o verdadeiro comportamento como ser humano.

Como soube do falecimento do presidente Makiguti? Sadako Kaneko: Recebemos um telegrama na manhã do dia 18, e soubemos então que Makiguti Sensei havia falecido. O corpo do Sensei foi envolto por um cobertor e veio trazido nas costas do Sr. Kobayashi, que era o chefe dos funcionários da loja dos meus pais. Havia uma boa distância do Centro de Detenção de Tóquio.

Kobayashi: “O corpo está quente e macio, parece estar vivo!” Talvez as pessoas imaginem que, devido à desnutrição, seu corpo estivesse definhado e macilento, mas não foi assim. Estava com um aspecto realmente excepcional. Que semblante gentil e maravilhoso!

Yasu Kashiwabara: Como professora do ensino fundamental, eu estava acompanhando as crianças no refúgio e, por isso, fiquei totalmente desinformada da situação. Eu orava pela segurança dos mestres Makiguti e Toda. Foi então que recebi a informação de que Makiguti Sensei havia falecido. Senti um desânimo e um vazio indescritíveis. Quando soube que Sensei saiu da prisão com a morte, não conseguiram chamar um carro e seu retorno para a casa foi solitário, surgiu dentro de mim forte ira contra a essência maligna do autoritarismo. Makiguti Sensei faleceu na prisão devido à aliança do clero com o governo, satisfazendo convenientemente esse autoritarismo.

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