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Estudo
há 7 anos

“Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” — manifestando o grandioso potencial inerente

Budismo do Sol Iluminando o mundo — [6] A Perseguição em Tatsunokuchi (CEND, v. I, p. 204)

07/07/2018

“Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” — manifestando o grandioso potencial inerente

Trecho da carta

A Perseguição em Tatsunokuchi

Quando sofri aquela perseguição no décimo segundo dia, o senhor não apenas me acompanhou a Tatsunokuchi, mas também declarou que morreria ao meu lado. Só posso dizer que isso é algo extraordinário. [...]

Entretanto, nesta existência, como devoto do Sutra do Lótus, fui banido e condenado à morte, no exílio em Ito e na execução em Tatsunokuchi. Pertencente à província de Sagami, Tatsunokuchi foi o local em que Nichiren ofereceu a própria vida. Em virtude de ele ter morrido lá para proteger o Sutra do Lótus, o que esse local poderia ser senão a terra do buda? [...] Nesse sentido, todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda.

De todos os lugares deste mundo saha, é em Tatsunokuchi, em Katase, na província de Sagami, no Japão, onde se encontra a vida de Nichiren. Por ele ter dado sua vida nesse local para proteger o Sutra do Lótus, Tatsunokuchi é digna de ser chamada Terra da Luz Tranquila. Isso é o que o capítulo “Os Poderes Sobrenaturais” revela com a seguinte afirmação: “Seja num jardim, num bosque,... em vales montanhosos ou em extensos ermos... nesses lugares os budas entraram no parinirvana”. (CEND, v. I, p. 204)

Introdução

“Uma vida tumultuada” — são palavras que, certa ocasião, registrei por escrito.

Passaram-se 68 anos desde que me tornei discípulo de Josei Toda e 55 anos desde que fui empossado terceiro presidente da Soka Gakkai [em 2016]. Foram anos marcados por grandes turbulências. Avancei por essa vida tumultuada, enfrentando ondas violentas, uma após outra, sem momento de descanso ou hesitação.

Na juventude, minha saúde era tão frágil que o médico disse que provavelmente eu não chegaria aos 30 anos. Apesar disso, ainda estou aqui e ultrapassei grandes obstáculos e desafios. Sou muito feliz por ter sido capaz de contribuir para a criação da vigorosa e abrangente correnteza do kosen-rufu mundial com todos vocês.

“Os jovens precisam avançar”

Em setembro de 1948, pouco mais de um ano após ingressar na Soka Gakkai, anotei em meu diário quanto me sentia inspirado com as explanações de Toda sensei sobre o Sutra do Lótus, que eram repletas de compaixão e de compromisso inabalável em relação ao kosen-rufu:

A ilimitada compaixão de Nichiren Daishonin, que, movido unicamente pelo desejo de conduzir todas as pessoas à iluminação, lutou contra as adversidades para trazer a brilhante luz da aurora para uma época maléfica e obscura, me emociona às lágrimas. Os jovens precisam avançar, seguindo sempre adiante. Os jovens precisam avançar para garantir a eterna transmissão da Lei.1

Toda sensei fez com que eu, um jovem comum, despertasse para o caminho de mestre e discípulo dedicado à elevada missão de propagar a Lei Mística. Ele me ensinou que nós, membros da Soka Gakkai, somos bodisatvas da terra e que cada indivíduo é um buda infinitamente nobre, munido de potencial ilimitado.

Quando as nuvens da ignorância se dissipam, reconhecemos que nós, mortais comuns, somos dotados de um poder inerente, eterno e vasto como o próprio universo.

Os seres humanos possuem um poder sublime; são realmente grandiosos e magnificentes. Todos, igualmente, possuem esse estado de vida de máxima nobreza. Por esse motivo, o Budismo de Nichiren Daishonin é uma filosofia de respeito à vida e aos seres humanos. Aqueles que despertaram para a missão de propagar a Lei Mística conseguem extrair de dentro de si ilimitada coragem e sabedoria.

Nichiren Daishonin demonstrou plenamente essa verdade para todas as pessoas dos Últimos Dias da Lei por meio de sua grandiosa luta de “dedicação sem poupar a própria vida” em prol do kosen-rufu. Como indivíduo, ele “abandonou o transitório e revelou o verdadeiro”, estabelecendo um exemplo de como todos podem evidenciar o nobre estado de buda originalmente inerente.

Nesta edição, estudaremos esse profundo princípio com base no escrito A Perseguição em Tatsunokuchi, uma das cartas de Daishonin para Shijo Kingo.

TRECHO 1

Quando sofri aquela perseguição no décimo segundo dia, o senhor não apenas me acompanhou a Tatsunokuchi, mas também declarou que morreria ao meu lado. Só posso dizer que isso é algo extraordinário. [...] (CEND, v. I, p. 204)

O sincero incentivo para um discípulo dedicado

Essa carta, endereçada a Shijo Kingo, foi escrita no vigésimo primeiro dia do nono mês de 1271, enquanto Nichiren Daishonin estava detido na residência de Homma Rokuro Saemon-no-jo2 (Homma Shigetsura) em Echi, província de Sagami (atual cidade de Atsugi, na província de Kanagawa). Haviam se passado apenas nove dias após Daishonin ter sobrevivido à Perseguição de Tatsunokuchi, uma tentativa de decapitá-lo na calada da noite [no décimo segundo dia do nono mês] em que quase perdeu a vida.

Ao tomar conhecimento do perigo iminente que Nichiren Daishonin enfrentava, Shijo Kingo correu para ficar ao seu lado e o acompanhou até Tatsunokuchi [também na província de Sagami]. Quando a execução estava prestes a se consumar, Kingo insistiu que cometeria suicídio e morreria junto com ele.

Daishonin declara: “Só posso dizer que isso é algo extraordinário” (CEND, v. I, p. 204), referindo-se ao laço de mestre e discípulo estabelecido entre ele e Shijo Kingo, que encarou a possibilidade de morrer ao seu lado em Tatsunokuchi.

A extraordinária condição de vida de Nichiren Daishonin

Vamos rever os eventos que levaram à Perseguição de Tatsunokuchi.

Ataques caluniosos desferidos contra Nichiren Daishonin pelo sacerdote Ryokan3 da escola Preceitos-Palavra Verdadeira e por outros, que nutriam ódio profundo por ele, estavam por trás da perseguição. Além disso, com o pânico e a agitação causados pela crescente ameaça de invasão por parte das forças do império mongol, o governo tentava reforçar seu controle e, nesse contexto, via Daishonin e seus seguidores com antagonismo [como uma força que desafiava o regime].

No décimo segundo dia do nono mês de 1271, um grande grupo de soldados armados, liderado por Hei no Saemon-no-jo Yoritsuna,4 atacou a morada de Nichiren Daishonin em Kamakura e o prendeu. Daishonin denunciou destemidamente esse ato, declarando: “Que engraçado! Vejam como Hei no Saemon enlouqueceu! Cavalheiros, os senhores acabaram de derrubar o pilar do Japão” (CEND, v. II, p. 24).

Após ser preso, Nichiren Daishonin foi levado para a mansão de uma personalidade influente no governo de Kamakura, Hojo Nobutoki,5 comandante militar de Sado. Esse fato indica que a decisão de exilar Nichiren Daishonin na remota Ilha de Sado já havia sido tomada.

Porém, no meio da noite, Daishonin foi levado de cavalo para outro lugar. Aparentemente, certos oficiais do governo de Kamakura tramaram secretamente decapitá-lo.

Enquanto era conduzido pela estrada à margem da praia Yui, rodeado por soldados, Nichiren Daishonin enviou um mensageiro até Shijo Kingo. Assim que soube o que estava acontecendo, Kingo correu descalço ao encontro de Daishonin, e quando tomou as rédeas do cavalo, Daishonin disse-lhe: “Chegou o momento de oferecer minha cabeça ao Sutra do Lótus” (Ibidem, p. 25).

Por fim, chegaram a uma praia afastada — Tatsunokuchi —, nos arredores de Kamakura. Foi no horário das 2 horas às 4 horas da madrugada, e a área estava envolta pelo silêncio e pela escuridão. Quando a espada foi sacada, Kingo chorou e disse a Daishonin: “São seus últimos momentos!” (Ibidem, p. 26). Daishonin, porém, respondeu serenamente que não poderia imaginar alegria maior do que dar a vida pelo Sutra do Lótus, e que Kingo deveria se alegrar e sorrir.6

Nesse instante, quando forças maléficas, “ladrões de vida”, tentavam dar fim a Daishonin, um estranho fenômeno — um episódio muito conhecido — aconteceu e ele escapou da morte por um triz em decorrência disso. Na parte final dessa carta, Daishonin declara que a divindade da Lua — um dos três filhos celestiais da luz (divindades do Sol, da Lua e das estrelas) que protegem os praticantes do Sutra do Lótus — apareceu como “um objeto brilhante” e o protegeu em Tatsunokuchi (cf. CEND, v. I, p. 205).

Aterrorizados com esse incidente, os soldados abandonaram a tentativa de execução. Posteriormente, Daishonin foi levado para Echi, e Shijo Kingo o acompanhou no trajeto. Nichiren Daishonin escreve nessa carta que, depois de chegarem a Echi, a divindade das estrelas também apareceu e, portanto, ele estava certo de que seria protegido também pela divindade do Sol (cf. Ibidem).7

Na atualidade, o Centro de Estudo do Budismo da SGI, na província de Kanagawa, situa-se na encosta da área em que se acredita ser a localização de Tatsunokuchi. Dos jardins, pode-se ver a ilha de Enoshima próxima dali [de onde surgiu o objeto luminoso na ocasião da Perseguição de Tatsunokuchi]. É um local propício para se refletir sobre a provação de Daishonin, de ter a própria vida ameaçada, e renovar a determinação de concretizar o kosen-rufu. Muitos membros da SGI visitam o Centro de Estudo do Budismo e mantêm calorosos diálogos com os companheiros da localidade.

TRECHO 2

Entretanto, nesta existência, como devoto do Sutra do Lótus, fui banido e condenado à morte, no exílio em Ito8 e na execução em Tatsunokuchi. Pertencente à província de Sagami, Tatsunokuchi foi o local em que Nichiren ofereceu a própria vida. Em virtude de ele ter morrido lá para proteger o Sutra do Lótus, o que esse local poderia ser senão a terra do buda? [...] Nesse sentido, todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda.

De todos os lugares deste mundo saha,9 é em Tatsunokuchi, em Katase, na província de Sagami, no Japão, onde se encontra a vida de Nichiren. Por ele ter dado sua vida nesse local para proteger o Sutra do Lótus, Tatsunokuchi é digna de ser chamada Terra da Luz Tranquila.10 Isso é o que o capítulo “Os Poderes Sobrenaturais” revela com a seguinte afirmação: “Seja num jardim, num bosque,... em vales montanhosos ou em extensos ermos... nesses lugares os budas entraram no parinirvana”. (CEND, v. I, p. 204)

Onde se enfrentam perseguições pelo Sutra do Lótus é a terra do buda

Na passagem imediatamente anterior a esta, Nichiren Daishonin diz: “Inúmeros foram os lugares, em existências passadas, onde dei a vida para proteger esposa e filhos, terras e seguidores! (…) Entretanto, não houve uma única vez em que doei a vida pelo Sutra do Lótus ou em que sofri perseguições para defender o daimoku [Nam-myoho-renge-kyo]” (CEND, v. I, p. 204). Como em nenhum desses casos —  em que dera a vida — a finalidade foi atingir o estado de buda, nenhum dos lugares onde tais fatos ocorreram é a terra do buda, reflete ele solenemente.11

Porém, as perseguições que Dai­shonin vinha enfrentando, que até então incluíam exílio e iminente execução, diz ele, aconteceram por ele ser o devoto do Sutra do Lótus e também por ser em prol do Sutra do Lótus.

No exemplar dos Escritos de Nichiren Daishonin, que pertencia ao presidente Josei Toda e foi confiscado pelas autoridades militaristas durante a Segunda Guerra Mundial, essa passagem está claramente sublinhada.

Nesse trecho, “fui banido” corresponde ao exílio em Izu em 1261, enquanto “condenado à morte” refere-se ao fato de quase ter sido decapitado em Tatsunokuchi. Nichiren Daishonin sofrera várias ameaças à sua vida antes disso, contudo, como ele aponta ao afirmar que “Pertencente à província de Sagami, Tatsunokuchi foi o local em que Nichiren ofereceu a própria vida” (Ibidem), a Perseguição de Tatsunokuchi foi um evento particularmente decisivo.

Permanecer inabalável ao enfrentar uma perseguição que poderia significar dar a vida pelo Sutra do Lótus — essa atitude, em si, é uma expressão do sublime estado de buda. Não há dúvida de que essa convicção, em relação ao lugar onde ele enfrentara tal perseguição, o impeliu a declarar: “O que esse local poderia ser senão a terra do buda?” (Ibidem).

Por ser uma terra do buda, a pessoa que ali habita é um buda. Shakyamuni atingiu a iluminação sob a árvore bodhi, perto de Gaya, na Índia. Nichiren Daishonin manifestou seu elevado estado de vida como o Buda dos Últimos Dias da Lei em Tatsunokuchi.

Nessa carta, citando uma passagem do capítulo “Meios Apropriados” (2º) do Sutra do Lótus, Daishonin declara: “Nas terras do buda das dez direções há somente a Lei do veículo único” (Ibidem).12 Em todos os lugares, em todas as dez direções, o Sutra do Lótus é o único ensinamento para se atingir o estado de buda. Consequentemente, o local em que se enfrenta perseguições em prol do Sutra do Lótus é a terra do buda, ou o lugar onde o Buda reside.

Qualquer lugar pode ser transformado na Terra da Luz Eternamente Tranquila

Nichiren Daishonin conclui, portanto, que “todos os lugares onde Nichiren enfrenta perseguições são a terra do buda” (CEND, v. I, p. 204), e declara que há um lugar, em particular, onde “se encontra a vida de Nichiren. Por ele ter dado sua vida nesse local para proteger o Sutra do Lótus…” (Ibidem), esse lugar, diz ele, é a Terra da Luz Eternamente Tranquila — em outras palavras, a eterna terra do buda.

Na carta, Daishonin identifica claramente o campo de batalha onde travou sua luta crucial — a batalha entre o Buda e as forças demoníacas, dizendo: “De todos os lugares deste mundo saha, é em Tatsunokuchi, em Katase, na província de Sagami, no Japão” (Ibidem). Se Nichiren Daishonin não tivesse assumido uma postura firme naquele local, como um corajoso praticante do Sutra do Lótus, Tatsunokuchi seria apenas um lugar comum. Sua poderosa determinação de viver de acordo com a Lei Mística até o fim é que transformou esse lugar em particular, neste mundo saha repleto de sofrimento, na Terra da Luz Eternamente Tranquila que expressa o eterno benefício da Lei Mística. Esse é o significado do princípio budista “o mundo saha é a própria Terra da Luz Tranquila”.

Para fundamentar essa afirmação, Nichiren Daishonin cita uma passagem do capítulo “Os Poderes Sobrenaturais d’Aquele que Assim Chega” (21º) do Sutra do Lótus, que declara que, após o falecimento d’Aquele que Assim Chega, os locais nos quais se pratica o Sutra do Lótus conforme ele instruiu — “Seja num jardim, num bosque,... em vales montanhosos ou em extensos ermos...” (CEND, v. I, p 204) — são lugares onde os budas alcançaram a iluminação, expuseram a Lei e entraram no parinirvana (cf. LSOC, cap. 21, p. 316).

Na era após o falecimento do Buda, qualquer lugar em que as pessoas praticam exatamente de acordo com os ensinamentos do Buda é o lugar onde o Buda eterno reside constantemente.

O budismo nos capacita a atingir uma condição de vida tão vasta quanto o universo

Em Abertura dos Olhos, redigida por Nichiren Daishonin algum tempo depois, no inverno gélido de Sado, consta: “No décimo segundo dia do nono mês do ano passado, entre as horas do rato e do boi [entre 23 horas e 3 horas], esta pessoa chamada Nichiren foi decapitada. Foi sua alma que chegou a esta Ilha de Sado...” (CEND, v. I, p. 282).

Esta é uma referência ao processo de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” que Daishonin vivenciou. Ele abandonou sua condição transitória de pessoa comum presa ao fardo do carma e sofrimentos e, apesar de continuar sendo um simples mortal, revelou seu verdadeiro eu de buda do tempo sem início,13 incorporando um estado de completa liberdade em total comunhão com a eterna Lei Mística.

No capítulo “A Extensão da Vida d’Aquele que Assim Chega” (16º) do Sutra do Lótus, Shakyamuni também abandona a condição transitória e revela seu verdadeiro eu — esclarecendo que, na realidade, não havia atingido a iluminação pela primeira vez sob a árvore bodhi na Índia, mas em um tempo inimaginavelmente remoto no passado.

Para nós, o significado fundamental disso não reside no fato de o Buda ter se revelado como buda eterno, superior e isolado dos mortais comuns dos “nove mundos” (do mundo do inferno ao mundo dos bodisatvas),14 antes, representa um chamado para que todos voltem a atenção para Shakyamuni como ser humano. É um chamado para que as pessoas adotem o ser humano Shakyamuni como modelo, seguindo o exemplo dele e despertem para a grandiosidade inerente à própria vida.

Por ele próprio “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, Daishonin abriu o caminho para que todos os seres humanos pudessem atingir o estado de buda na forma que se apresentam — ou seja, manifestar o mundo dos budas enquanto indivíduos comuns dos nove mundos.

Isso significa que as pessoas comuns, cuja vida é governada por desejos egoístas e presa ao fardo do carma e do sofrimento, retornam à condição de vida inerente do tempo sem início, rompem as correntes do carma e se tornam um buda repleto de compaixão e sabedoria que deseja ajudar toda a humanidade a atingir a iluminação. Este é o mais nobre estado que podemos experimentar como ser humano. Toda sensei definia esse aspecto como “pessoa comum iluminada desde o tempo sem início”.

Esse estado de vida inerente é o do buda do tempo sem início. Daishonin estabeleceu um caminho pelo qual todas as pessoas podem atingir a iluminação e sua presença foi como a luz do sol inundando imediatamente uma caverna que permaneceu na escuridão por dezenas de milhares de anos.

Uma única pessoa a “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” pode abrir o caminho para todas as outras

No final dessa carta, Nichiren Dai­shonin, mais uma vez, elogia Shijo Kingo por tê-lo acompanhado a Tatsunokuchi, o local em que ele revelou seu verdadeiro eu, dizendo: “O senhor acompanhou Nichiren, jurando dar sua vida como um devoto do Sutra do Lótus (...) [e], assim como eu próprio, estava determinado a morrer pelo Sutra do Lótus” (CEND, v. I, p. 204-205).

Shijo Kingo “com uma única mente” se juntou ao seu mestre de forma incondicional. É provável que ele não compreendesse por completo o profundo significado que a Perseguição de Tatsunokuchi tinha para Daishonin.

Podemos interpretar essa passagem como um indicativo de que o mestre está sempre se empenhando para abrir o caminho para o discípulo. O desejo do Buda é a unicidade de mestre e discípulo, que ambos conquistem a mesma condição. O mestre ora para que o discípulo atinja um estado iluminado idêntico ao que ele já atingiu. O mestre acredita nisso e espera o mesmo do discípulo.

Em outras palavras, o próprio Daishonin demonstrou um estado de vida indestrutível, mantendo-se inabalável mesmo em meio à pior situação imaginável a que um ser humano poderia ser submetido — para que qualquer pessoa pudesse, assim como ele, manifestar a grande Lei que incorpora o princípio da “possessão mútua dos dez mundos”.15 Quando despertamos para o fato de que somos originalmente budas, percebemos que isso também vale para os outros.

“Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” significa “revelar a verdade” para todas as pessoas — ou seja, evidenciar uma condição de vida suprema e nobre inerente a nós e ajudar os demais a fazer o mesmo. Somos budas, e os outros também. “Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” compõe a base fundamental das nossas ações assentadas no respeito a todos os seres humanos.

Consequentemente, “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” de Daishonin não representa apenas um ato pessoal, mas uma demonstração de que todos podem revelar plenamente em sua vida o inexaurível repositório de tesouros que existe dentro de si. Como meio para atingi-lo, ele ensina a importância de se empenhar na fé com o espírito de “verdadeira causa” — de sempre avançar a partir deste momento — um modo de prática em que nos dispomos a enfrentar bravamente os mais duros desafios da realidade com base no juramento seigan de unicidade de mestre e discípulo de lutar pela felicidade de toda a humanidade.

“Buda” é outro nome para aquele que continua se esforçando

Enquanto continuarmos dedicando a vida ao kosen-rufu como devotos, ou genuínos praticantes, do Sutra do Lótus, nós nos veremos envolvidos em uma infindável luta contra as forças maléficas — os “três poderosos inimigos”16 e os “três obstáculos e quatro maldades”. 17

Isso aconteceu com Shakyamuni também. Uma antiga escritura budista afirma que, ao atingir a iluminação sob a árvore bodhi depois de repelir as primeiras tentações de Mara, o rei demônio, Shakyamuni continuou sendo atacado por influências maléficas que tentavam persuadi-lo e ameaçá-lo para que abandonasse a ideia de ensinar aos outros a verdade para a qual ele havia se iluminado.18

Atingir a iluminação não significa que [após alcançá-la] não será necessário dar continuidade à prática budista, ou que nunca mais terá de lutar contra as funções maléficas de novo.

Qual o propósito de se atingir a iluminação? É ser capaz de ajudar todas as pessoas a alcançar a felicidade. O verdadeiro trabalho começa depois que se alcança a iluminação. É aí que as influências malignas atacam com ferocidade ainda maior. Aqueles que continuam se empenhando nessa luta são budas.

Por ocasião da Perseguição de Tatsu­nokuchi, quando Nichiren Dai­shonin “abandonou o transitório e revelou o verdadeiro” em sua própria vida, ele demonstrou seu verdadeiro eu como o buda do tempo sem início por meio de seu exemplo de triunfo sobre uma grande perseguição. Empenhado em cumprir seu juramento seigan — ligado ao grande desejo do Buda pela felicidade de toda a humanidade —, ele acionou, com total plenitude e liberdade, seu poder e capacidade, e enfrentou intrepidamente todos os desafios, instigando ao mesmo tempo quem ainda não havia despertado para a natureza inerente de viver de modo fiel a si próprio. Quando pessoas conscientes tomam uma posição, o significado de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” de Daishonin se concretiza.

A Soka Gakkai herdou o espírito de Nichiren Daishonin

A Soka Gakkai está dando continuidade, fielmente, ao espírito de Nichiren Daishonin de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente fundador da Soka Gakkai, Tsunesaburo Makiguchi, em sua luta contra o ultranacionalismo do Japão, dizia com frequência que a Soka Gakkai devia “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”. Ao sair da prisão, Toda sensei, que havia sido encarcerado junto com o seu mestre, Sr. Makiguchi, também conclamou a Soka Gakkai a “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, resolutamente convicto de que mestres e discípulos Soka se uniriam e empreenderiam ações com base no juramento de realizar o kosen-rufu selado desde o tempo sem início.

E hoje, a Soka Gakkai deve, novamente, “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”. Para tanto, cada um precisa se levantar com a consciência de ser um bodisatva da terra e com o compromisso de cumprir seu juramento como genuíno discípulo de Nichiren Daishonin.

Por mais que falemos do maravilhoso poder inato da vida, ou do potencial ilimitado dos seres humanos, por si só, isso não passa de abstração. Antes, ao nos empenharmos pelo autoaprimoramento em meio às adversidades mais intensas é que nosso poder inato como seres humanos se revela. O verdadeiro eu, do qual nem tínhamos consciência, vem à tona.

Hoje, [em 2016] passados oitenta e cinco anos desde a fundação da Soka Gakkai, os bodisatvas da terra estão avançando dinamicamente pelo mundo todo. Recitando Nam-myoho-renge-kyo vibrantemente, eles deixaram para trás uma existência repleta de sofrimentos cármicos, deram adeus à resignação e ao desespero e estão agindo pela própria felicidade e pela felicidade dos outros. Tendo despertado para a missão única e pessoal, conduzem uma vida de coragem e esperança.

Quero declarar que todo drama que se desenrola na vida deles, cada epopeia de revolução humana vivenciada por esses indivíduos comuns, constitui um brilhante triunfo da grandeza inerente ao ser humano, de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, dando assim expressão ao eterno poder inato a cada um.

Imensurável riqueza interior

Há quatro décadas, em 1975, encontrei-me pela primeira vez com Aurelio Peccei (1908–1984), cofundador do Clube de Roma, um grupo dedicado a reflexões e em busca de soluções para os grandes problemas mundiais.

O diálogo, que girou em torno de nossas preocupações acerca dos rumos da civilização contemporânea e na busca de uma nova esperança para o futuro, teve como ponto de chegada uma conclusão comum. Quando discorri sobre o significado de revolução humana no Budismo de Nichiren Daishonin, o Dr. Peccei assentiu profundamente e apontou a necessidade de uma renascença do espírito humano, uma revolução no interior dos próprios seres humanos.

O Dr. Peccei lutou contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial, foi preso e submetido a severa tortura. Ele foi um inesquecível irmão espiritual, um amigo de luta comum. Em nossa interlocução, ele disse: “Recursos externos são limitados, mas nossa riqueza interior é infinita. Ela é completamente inexplorada, e a revolução humana é um meio para acioná-la. Devemos fazer tudo ao nosso alcance para promover a revolução humana”.

Ele destacou de maneira consistente a relevância de desenvolver o infinito potencial, conforme expresso na filosofia da revolução humana. Acredito firmemente que o ponto de vista dele tem profunda consonância com o ensinamento budista de “abandonar o transitório e revelar o verdadeiro”, que conclama a todas as pessoas para que despertem para sua nobreza inerente e desenvolvam ilimitado potencial interior.

Avancemos a passos ainda maiores a partir de hoje

Em Registro dos Ensinamentos Trans­mitidos Oralmente [Ongi Kuden], Nichiren Daishonin cita um comentário de Fu Dashi19 da China: “Manhã após manhã levantamos com o Buda, noite após noite com o Buda descansamos. Momento a momento alcançamos o caminho, momento a momento revelamos nosso verdadeiro eu” (OTT, p. 83). “Abandonar o transitório e revelar o verdadeiro” significa se empenhar na fé com o espírito de “verdadeira causa”, de avançar continuamente a partir deste momento. Significa entrar em ação neste exato instante. Ao agirmos dessa forma, transbordará em nosso ser a grande energia vital do tempo sem início. A cada momento, o Budismo do Sol despontará com toda a radiância em nossa vida, iluminando a escuridão dos Últimos Dias da Lei.

Avancemos a passos ainda maiores a partir de hoje, fazendo resplandecer o sol da revolução humana, extraindo ativamente o potencial infinito que existe em nós e nos outros!

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