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Proposta de Paz
há 3 anos

Nossa responsabilidade compartilhada pelo futuro (parte 8 de 8)

Interação com o Dr. Galbraith momentos antes da segunda palestra do presidente Ikeda na Universidade Harvard (Boston, set. 1993)

02/05/2022

Nossa responsabilidade compartilhada pelo futuro (parte 8 de 8)

Minha segunda proposta relacionada às armas nucleares diz respeito ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPAN), e aqui mais uma vez insisto fortemente ao Japão e a outros Estados dependentes de energia nuclear, e aos Estados possuidores de armas nucleares, que participem como observadores na primeira reunião dos Estados-membros (1MSP) do TPAN a ser realizada em março, em Viena. Também sugiro que um compromisso seja firmado nessa reunião para criar um secretariado permanente que assegure o cumprimento das obrigações e da cooperação internacional estipulada pelo TPAN.

A Suíça, a Suécia e a Finlândia, países não signatários do TPAN, assim como a Noruega e a Alemanha, membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), já indicaram que participarão dessas reuniões como observadores. A Otan tem o histórico de permitir que Estados-membros escolham seu próprio caminho em relação às armas nucleares. O TPAN, por sua parte, não inclui proibição específica sobre os Estados-membros formarem alianças com Estados com armas nucleares. 

O significado da Noruega e da Alemanha buscarem o status de observadores na primeira reunião dos Estados-membros é verdadeiramente profundo, assim como muitas cidades em países membros da Otan se juntaram a centenas de municipalidades ao redor do mundo na assinatura do Apelo das Cidades da Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares (Ican), pela qual as cidades expressam seu apoio ao TPAN e encorajam seus respectivos governos a se juntar ao tratado. A lista de cidades que apoiam o Apelo das Cidades inclui tanto Hiroshima e Nagasaki como aquelas em países que possuem armas nucleares, a exemplo dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França e da Índia.91

A pauta da 1MSP do TPAN incluirá o oferecimento de assistência a vítimas de uso e teste de armas nucleares, bem como à recuperação de ambientes contaminados. O Japão deveria participar das discussões, e assim contribuir para compartilhar as tragédias da devastação vivida no bombardeio atômico e as lições do acidente nuclear de Fukushima ocorrido em 2011.

Em entrevista recente, o Dr. Oliver Meier, pesquisador sênior do escritório de Berlim do Instituto de Pesquisa de Paz e Política de Segurança da Universidade de Hamburgo, disse que o compromisso da Alemanha ao participar como observador na primeira reunião poderia contribuir para reforçar o multilateralismo e o desarmamento nuclear. Quando questionado sobre o desejo do Japão em servir como uma ponte entre os Estados com armamentos nucleares e os que não o possuem, ele respondeu que, ao participar como observador, o Japão poderia desempenhar um papel que somente um país que viveu o ataque atômico poderia desempenhar, ressaltando que uma “ponte” não pode cumprir seu papel sem diretamente participar de discussões de ambos os lados.92

Em 2017, o Japão organizou o Grupo de Pessoas Eminentes para o Avanço Substantivo do Desarmamento Nuclear (Group of Eminent Persons for Substantive Advancement of Nuclear Disarmament, ou SAG, em inglês) convidando especialistas tanto do lado dos Estados possuidores de armas nucleares como do lado dos países que não as possuem. Reuniões posteriores também foram realizadas e as deliberações da 1MSP do TPAN poderiam ser ainda mais construtivas se o Japão participasse como um observador e reportasse as descobertas do processo do SAG. Exorto ao Japão promover tais esforços enquanto trabalha rumo à assinatura e à ratificação do tratado.

A primeira reunião dos Estados-membros da Convenção sobre as Munições de Fragmentação, por exemplo, teve a participação de 34 Estados como observadores, muitos dos quais mais tarde se tornaram Estados-membros.93 De forma similar, é essencial que o máximo possível de Estados participe como observadores na 1MSP do TPAN a fim de testemunharem diretamente sobre os esforços iniciais e a firme determinação dos Estados-membros e da sociedade civil em concretizar a abolição das armas nucleares. Isso ajudará a construir e compartilhar a valorização de como o TPAN abre novos horizontes de possibilidades em nosso mundo.   

O significado do TPAN vai além de ser uma estrutura de um tratado convencional sobre desarmamento que tem em seu cerne o compromisso com as normas humanitárias — prevenir destruições catastróficas — e com os direitos humanos — salvaguardar o direito das pessoas do mundo à vida. Em termos de bens comuns globais, que mencionei anteriormente como relacionados ao problema da mudança climática, o TPAN é indispensável na proteção da paz da humanidade como um todo e na preservação do ecossistema global, a base da vida da presente e das futuras gerações.

Ao termos em mente o significado do TPAN, discussões abertas e francas devem abordar os impactos negativos da segurança dependente de armas nucleares no mundo, em nossa vida atual e no futuro.

Essa primeira reunião pode servir como oportunidade para o diálogo, independentemente das diferenças. Enquanto o número dos Estados-membros cresce e mais países sentem que não podem assinar ou ratificar o TPAN, mas também começam a se conscientizar positivamente sobre o seu verdadeiro valor e significado, permaneço confiante de que isso catalisará a energia e a vontade política necessárias para pôr um fim à era das armas nucleares.

É por essa razão que solicito o estabelecimento de um secretariado permanente para servir como veículo da união dos esforços dos governos e da sociedade civil para universalizar os ideais e os compromissos do TPAN.

Por meio da campanha Década do Povo pela Abolição Nuclear, lançada inicialmente pela SGI em 2007, trabalhamos com o Ican e outros grupos para defender a adoção de um tratado de banimento das armas atômicas. A segunda Década do Povo pela Abolição Nuclear começou em 2018, depois que o TPAN foi criado. A segunda década concentra-se na universalização dos ideais do TPAN por meio do trabalho de atores da sociedade civil. Neste ano, temos o compromisso de avançar com ímpeto nessa direção porque estamos convencidos de que o apoio das pessoas de todo o mundo é uma base fundamental para o fortalecimento da eficácia do tratado.

Lembro-me da forma enfática que o professor Galbraith se colocava sobre a eliminação da ameaça nuclear, “como algo que todos devemos nos dedicar para conquistar” — uma conclusão que reflete sua experiência direta com muitas crises do tumultuado século 20. Na conclusão do seu livro de memórias, Uma Vida em Nossa Época, ele escreveu: “Notei que aqueles que escrevem suas memórias têm dificuldade de saber quando, em assuntos públicos, eles devem se deter”.94 Por sua vez, ele fechou o livro com um assunto fora do tema de economia, seu campo de especialização. Escolheu, em vez disso, concluir falando sobre as armas nucleares, a realidade que nunca saiu de sua mente desde que visitou o Japão no outono de 1945, logo depois dos bombardeios de Hiroshima e de Nagasaki.

Para tanto, ele lembrou um discurso que havia feito em 1980:

Se falharmos em controlar a corrida nuclear, todos os outros assuntos que debatemos nesta época não terão mais significado. Não haverá mais questões de direitos civis, porque não haverá ninguém para gozá-los. Não haverá problema de deterioração urbana porque nossas cidades estarão destruídas. Então que discordemos, digo com bom humor, nas outras questões (...), mas concordemos em dizer a todos os nossos compatriotas, todos os nossos aliados, todos os seres humanos, que nos dedicaremos para acabar com esse horror nuclear que atualmente paira como uma nuvem sobre toda a humanidade.95

Conforme o professor Galbraith observou tão incisivamente, a natureza desumana das armas de destruição em massa não se limita às consequências catastróficas de seu uso. Não importa quantas pessoas lutem por um mundo e por uma sociedade melhor, ou por quanto tempo, uma vez que o intercâmbio de forças nucleares começar, tudo será em vão. A realidade da era nuclear é que estamos obrigados a viver na constante companhia do pior — o mais incompreensível e absurdo — perigo imaginável.

O compromisso da SGI pela abolição das armas nucleares vem desde a declaração do presidente Josei Toda de 1957 clamando por ela. No meio da corrida armamentista entre os Estados com armas nucleares, a União Soviética havia testado com sucesso um míssil balístico intercontinental (ICBM) no mês anterior [agosto], criando uma nova realidade na qual todas as partes do mundo estavam expostas à possibilidade de um ataque nuclear.

Em face dessa aterradora realidade, Josei Toda frisou que o uso das armas nucleares por qualquer Estado deveria ser absolutamente condenado, expressando sua indignação pelo pensamento que justifica a posse delas: “Quero expor e extirpar as garras ocultas nas profundezas dessas armas”.96

Recordo-me como se fosse ontem da indignação do meu mestre com a natureza desumana dessas armas, que podem nos arrancar o significado e a dignidade da nossa vida e destruir o funcionamento da sociedade humana da raiz aos galhos. Como seu discípulo, determinado a tornar realidade a visão do meu mestre, senti sua ira justa nas profundezas do meu ser.

Com a convicção de que o destino da humanidade não pode ser transformado sem que se resolva o desafio das armas nucleares, o mal fundamental da civilização moderna, vim consistentemente tratando dessa questão em minhas propostas de paz anuais desde 1983 e me empenhando pela proibição das armas nucleares.

Muitas décadas depois, o TPAN, um tratado que ressoa o espírito da declaração de Josei Toda, entrou em vigor, e seu primeiro encontro dos Estados-membros está para ser realizado. O estágio crucial dos esforços para abolir as armas nucleares foi enfim atingido, objetivo tão entusiasticamente perseguido por tantas pessoas no mundo, começando pelos hibakusha — as vítimas dos bombardeios de Hiroshima e de Nagasaki e os impactados pelo desenvolvimento e pelos testes dessas armas ao redor do globo.

Completar essa tarefa é a forma de cumprir nossa responsabilidade com o futuro. Firme nessa crença, a SGI continuará a avançar, aumentando a solidariedade da sociedade civil com especial foco nos jovens, rumo à criação de uma cultura de paz na qual todos desfrutem o direito de viver na mais autêntica segurança.

Notas:

91. Veja ICAN. ICAN Cities Appeal [Apelo das Cidades da ICAN].

92. Veja Meier. Doku, Kaku Kinshi Joyaku Kaigi Obuzaba Sanka [Significado da Participação da Alemanha como Observadora na 1MSP do TPAN].

93. Veja ICAN. Observing the First Meeting of States Parties [Observação da Primeira Reunião dos Estados-membros], p. 2.

94. Galbraith. A Life in Our Times [Uma Vida em Nossos Tempos], p. 537.

95. Ibidem.

96. Toda. Declaration Calling for the Abolition of Nuclear Weapons [Declaração pela Abolição das Armas Nucleares].

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