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há 10 horas

Como erradicar o bullying?

Jovens da Soka Gakkai entrevistam Ittoku Tomano, professor associado do curso de pós-graduação da Universidade de Kumamoto

Redação | Seikyo Shimbun

05/11/2025

Como erradicar o bullying?

Este artigo faz parte da série “Diálogos sobre o futuro”, na qual jovens da Soka Gakkai se juntam a profissionais e especialistas de diferentes áreas para dialogar sobre o futuro da sociedade. Nesta edição, conversamos com o filósofo Ittoku Tomano, professor associado do curso de pós-graduação da Universidade de Kumamoto.

O tema foi “Como erradicar o bullying?”. Convidamos os leitores a ponderarem sobre essa questão e se inspirarem nos pensamentos de Ikeda sensei.

Quem pratica o bullying, na verdade, está irritado consigo mesmo

Jovens: Escolhemos o bullyingcomo temática porque não se trata apenas de um problema escolar, mas, sim, uma questão que reflete o estado da sociedade.

Entre os adultos, existem várias questões, como o preconceito, o assédio e a difamação. As crianças observam a postura dos adultos e, como resultado, reproduzem o bullying nas escolas.

Para dar fim a esse problema, precisamos rever nosso modo de vida, e não reduzir o bullying a uma questão infantil.

Ittoku Tomano: É verdade. Enquanto acharmos que é a existência do outro que não nos permite viver como bem entendermos, vamos desejar excluir o outro. Esse sentimento, na sua máxima expressão, se transforma numa grande violência, numa guerra. Do outro lado, quando é sutil e ferrenho, torna-se o bullying.

Acredito que uma das causas fundamentais do bullying é a irritação com algo ou alguém.

Todavia, quando perguntamos o porquê dessa irritação, vemos que não está necessariamente relacionada a uma insatisfação ou um desgosto com o outro. A realidade é que a pessoa está irritada consigo mesma.

Jovens: Suas considerações são surpreendentes. Esses sentimentos de insatisfação e irritação consigo mesmo não seriam uma experiência frequente para qualquer pessoa? Pensando assim, pode ser que o potencial latente de praticar o bullying exista em todos nós.

Na internet, é frequente o surgimento de polêmicas que concentram críticas e difamações de pessoas ou assuntos específicos. É um ambiente em que persiste os comentários agressivos, unilaterais, sem rosto e sob a proteção da anonimidade. Não podemos deixar de pensar que aí existe um auto-ódio.

Ittoku Tomano: É o que eu penso. Afinal, quem está contente consigo mesmo não vai ter vontade de fazer mal ao outro. A questão do bullyingtem uma profunda relação com o desejo de viver livremente. O ser humano não almeja apenas sobreviver; ele carrega uma ânsia pela liberdade de viver de acordo com suas vontades. Por conta disso, quando cada um desses desejos se chocam, o bullying acontece; isso também se conecta com a guerra.

Jovens: Quando ocorre o choque entre a liberdade de um e de outro, como devemos proceder? Pensamos que aí está a chave para as relações humanas.

Recebemos o seguinte relato de um de nossos integrantes. Por mais que ele se esforçasse no trabalho, era sempre mal-avaliado pelo supervisor. Com a prática do budismo, ocorreu ao jovem que o chefe também deveria sofrer com as reclamações e a insatisfação do chefe dele e, por fim, começou a orar pela prosperidade do supervisor. Disse também que, nesse mesmo ano, ele recebeu a avaliação mais alta de todo o setor!

Nas atividades da Soka Gakkai, almejamos a felicidade compartilhada. Isso não significa sacrificar um dos lados, mas, sim, encarar o desafio de concretizar tanto a felicidade de si quanto a do outro. É aí que se encontra a oportunidade do nosso florescimento enquanto humanos, não?

Quando as liberdades se chocam, o reconhecimento mútuo é necessário

Ittoku Tomano: Esse foi um valioso relato. Certamente, quando duas liberdades lutam uma contra a outra, a mera imposição da própria vontade só traz mágoa para ambas. A partir disso, o raciocínio proposto pelos filósofos é de que, no conviver, a primeira coisa a se fazer é reconhecer a existência da liberdade do outro. O filósofo alemão Hegel chamava isso de reconhecimento mútuo da liberdade.

Para desfrutar de liberdade, é preciso reconhecer a liberdade do outro. Além disso, cada um deve se regular de modo a evitar o conflito. É um raciocínio bem simples.

Jovens: Concordamos com essa ideia do reconhecimento mútuo. Afinal, liberdade não tem a ver com lazer ou dias de folga. Ikeda sensei disse: “Fazer apenas o que queremos e como queremos não significa ter liberdade, isso nada mais é que puro egoísmo. A verdadeira liberdade reside no contínuo desafio para desenvolver sua própria vida, para concretizar o objetivo que vocês determinaram”.¹

No mesmo volume, sensei escreveu: “De certa forma, pode-se dizer que, enquanto o coletivo não alcançar a verdadeira prosperidade, nenhum indivíduo a alcançará. Esse despertar é o modo de vida do bodisatva difundido na doutrina budista. Da mesma forma, pode-se dizer que, enquanto o coletivo não alcançar a verdadeira liberdade, nenhum indivíduo a alcançará”.

Acreditamos que esse modo de vida do bodisatva perpassa justamente o reconhecimento mútuo da liberdade. A verdadeira liberdade e a verdadeira prosperidade não se encerram no interior do indivíduo, mas se realizam na conexão com o outro. É assim que as pessoas amadurecem e a sociedade pode melhorar, não?

Ittoku Tomano: Concordo. Esse reconhecimento mútuo das liberdades nada mais é do que a sensibilidade cultivada nas relações humanas reais e que se estende de forma concreta no cotidiano.

As crianças, por exemplo, percebem já no convívio da creche e da escola que a imposição da liberdade individual causa conflitos e sentimentos desagradáveis. Basta adaptar o ambiente para que elas cheguem à conclusão que uma coexistência agradável a todos requer, em primeiro lugar, o respeito mútuo.

Tal conclusão não significa que as pessoas devam bajular umas às outras. Os interesses e valores que o outro carrega podem agradar ou não, mas desde que não tragam grandes mágoas, é possível tolerá-los. À primeira vista, essa é a melhor atitude.

Jovens: Sem dúvidas, somos todos seres humanos únicos e nossas opiniões podem tanto convergir quanto divergir. A oposição e o confronto são acontecimentos naturais, não há como negar. Cremos que o importante é que, nesses momentos, não apelemos para o bullying ou para a violência e que adotemos a atitude de dialogar tendo em mente que aqueles que são diferentes ainda são nossos iguais. Quando se trata de reconhecimento, pode ser algo difícil de se ouvir. Entretanto, mesmo que você não consiga concordar com a opinião do outro, é possível reconhecer a existência do outro. Acreditamos que esse é o primeiro passo para o estabelecimento de um diálogo.

Ittoku Tomano: Com certeza. Eu também penso que a confiança mútua precede o reconhecimento mútuo. A confiança mais básica significa, antes de mais nada, estar de acordo com a existência do outro.

Se não for capaz de confiar no outro, você se encherá de desconfiança, não o reconhecerá e talvez queira atacá-lo. Isso também se relaciona com o problema da insatisfação pessoal que falamos anteriormente. Ceder à própria insatisfação significa que você não se reconhece em lugar algum, logo, não consegue criar confiança.

Para se tornar capaz de confiar em si mesmo, primeiro, é preciso conseguir a confiança do outro. Quando experimentamos a confiança e o reconhecimento alheios, adquirimos a autoconfiança.

Os dois elementos que possibilitam a confiança inabalável

Ittoku Tomano: Nesse sentido, creio que a base da educação é confiar na índole e na capacidade do outro, ter paciência e lhe dar apoio. “Faça de tal jeito, não faça desse jeito”, esse nível de controle revela uma falta de confiança. Ao educar as crianças, em vez de nos colocarmos no papel de guardião, devemos admitir o quão é difícil colocar isso em prática.

Penso que isso é um teste para saber o quanto confiamos no outro. A confiança de coração e a paciência são capazes de mudar as pessoas. Quero manter essa esperança.

Jovens: Concordamos com isso. Certa vez, um dos nossos membros estava abatido, havia perdido a autoconfiança e disse que “os veteranos da Soka Gakkai generosamente acreditaram nele mais do que ele mesmo acreditava”.

Na Gakkai, essas profundas conexões interpessoais acontecem muito, conforme diz Ikeda sensei: “Mesmo que vocês acreditem que são inúteis e não servem para nada, eu não penso assim. Não tenho nenhuma dúvida de que todos têm uma missão. Mesmo que sejam menosprezados pelas pessoas, eu os respeito. Eu acredito em vocês”.²

De certa forma, as atividades da Gakkai reforçam o confiar em si mesmo e no próximo.

Ittoku Tomano: Excelente colocação. Ultimamente, em vários momentos, tenho incentivado a discussão sobre o círculo da confiança e do reconhecimento. O problema das mágoas causadas pela falta de confiança em si e do reconhecimento do outro está por todo lugar. Meu desejo é reverter esse círculo vicioso de desconfiança mútua e fazer girar o círculo da confiança e do reconhecimento mútuos.

Jovens: Confiar. Essa é a atitude fundamental que levamos como crença. No Nam-myoho-renge-kyo que recitamos, Nam pode ser traduzido como “devoção”. Em outras palavras, significa “crer com todo o coração”. Nesse sentido, podemos dizer que as nossas preces diárias invocam a mesma energia vital sagrada que existe em nós e no outro.

Tsunesaburo Makiguchi, fundador da Soka Gakkai, dizia que aquele que não confia nem conquista a confiança dos outros acabará como um cedro solitário que se ergue no campo isolado e desassistido. Ressaltava ainda que estabelecer a confiança entre as pessoas é indispensável para liderar uma vida com paz de espírito compartilhada.

Ittoku Tomano: O poder da confiança que existe em todos é importante; ele não é como o cedro solitário, mas sim como o bosque de bambus que se conecta com os caules subterrâneos e permite que nos apoiemos mutualmente.

O pedagogo e filósofo alemão Otto Friedrich Bollnow reforçava a importância da confiança nas crianças no âmbito da educação. Por outro lado, ele também dizia que a confiança sempre é traída. Por exemplo: não importa quantas vezes repita, a criança não vai fazer a lição de casa, vai perder objetos e vai brigar. Dessa forma, a confiança é repetidamente quebrada. Todavia, para Bollnow, isso é natural. O importante é manter a confiança apesar disso. Claro que não é uma tarefa simples, mas o que será necessário para manter a disposição de confiar?

Acredito que encontramos essa resposta em meio ao nosso diálogo de hoje. Na raiz da confiança, ora há a existência de laços, ora há o poder da crença.

Jovens: Nossas atividades na Gakkai também consistem em uma série de desafios de confiança. Ikeda sensei afirmou: “No entanto, o maior ato de consideração é orar pela felicidade dos outros e fazer tudo o que puderem por eles. Ainda que as pessoas não valorizem seus esforços na hora, enquanto agirem com a maior sinceridade, elas passarão a acreditar e a confiar em vocês. Um dia, agradecerão pelo carinho e pela atenção que lhes dedicaram”.³

Certamente, há muitos desafios nas atividades da Soka Gakkai. Entretanto, isso não significa que tenhamos que nos sacrificar. Por trás da plena devoção e das orações pelos outros há, na verdade, a vívida sensação de um rico e grandioso crescimento pessoal.


Fica a dica

As citações mencionadas nesta entrevista estão nas obras Juventude: Sonhos e Esperanças, volumes 1 e 2, de autoria de Daisaku Ikeda.

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Notas:

1. IKEDA, Daisaku. Juventude: Sonhos e Esperanças. São Paulo: Editora Brasil Seikyo, v. 2, p. 16, 2020.

2. Ibidem, v.1, p. 44, 2020.

3. Ibidem, v. 1, p. 155, 2020.

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