Recordações de Meus Encontros
TC
[41] Dr. Sergei Tolstoi, neto de Leon Tolstoi
Parte 2
01/08/2004
Ainda assim, Tolstoi recusou-se a ficar calado, pois ele sabia que o silêncio diante da guerra significava um apoio tácito a ela. Em um artigo intitulado “Pensem a respeito!”, publicado no The Times de Londres em junho de 1904, ele argumentava: “Novamente a guerra. Novamente o sofrimento, totalmente desnecessário, indesejado; novamente a fraude e novamente o estupor universal e a brutalização dos homens... O que pode ser isso? Sonho ou realidade?”1
Para Tolstoi, parecia que de repente todos haviam enlouquecido. O que, afinal, as pessoas estavam fazendo? Sua filha, Alexandra, de 19 anos, lembra a reação de seu pai: “‘É incrível’, dizia ele repetidas vezes. ‘O cristianismo proíbe matar, assim como o budismo. No entanto, aqui estão dois povos que professam religiões que proíbem matar e que, cheios de ódio, estão matando, afogando e mutilando uns aos outros!’”2
A verdade é que os povos de ambos os países estavam seguindo uma nova religião: o nacionalismo. Alexandra dizia: “Meu pai tentava ler os jornais, mas os artigos o perturbavam, de forma que ele não conseguia. ‘Não consigo lê-los,’ dizia ele. ‘Não consigo ler esses artigos que tentam estimular o patriotismo das pessoas retratando eventos sangrentos como se fossem algo nobre e correto.’”3
Como, perguntava-se Tolstoi, as pessoas podiam ser tão facilmente enganadas por sofismas espalhafatosos, falsidades e táticas coercitivas daqueles que cultuam a guerra? Será que elas não conseguem perceber como o governo, em sua ânsia de justificar a guerra, repetia constantemente uma ladainha de mentiras? Até a população instruída era enganada. Como essas pessoas inteligentes — “que ainda ontem haviam demonstrado crueldade, a futilidade e a insensatez das guerras”4 — apoiavam a matança recíproca de membros da mesma família humana?
Tolstoi escrevia em tom enérgico, motivado por sua percepção da crise. Inúmeras pessoas totalmente inocentes estavam para morrer enquanto o mundo observava de braços cruzados. Em momentos como esse, quem poderia escrever como se fosse um comentarista insensível? Mesmo aos 75 anos, Tolstoi declarava com ardente paixão:
“O czar russo, o mesmo homem que exortou a todas as nações à causa da paz, anuncia publicamente que, a despeito de todos os seus esforços para manter a paz tão desejada em seu coração (esforços que se expressam na invasão das terras de outros povos e no fortalecimento de seu exército para defender os territórios usurpados), devido ao ataque dos japoneses, ordena que se faça a estes o mesmo que fizeram aos russos, ou seja, que sejam massacrados. (...) O imperador japonês tem proclamado o mesmo com relação aos russos.”5
Ambos os lados argumentavam que estavam travando uma guerra para se defenderem, e assim foram instruídos os povos de ambos os países. No Japão, em particular, essa propaganda se difundiu de uma maneira sistemática e extrema. A maioria do povo japonês acreditava que entre seu país e a Rússia era de caráter defensivo. Mas isso certamente não era verdade para o povo da China, em cujo território foi travado a maioria dos combates. Os historiadores chineses observaram:
“A guerra russo-japonesa foi uma luta imperialista entre o Japão e a Rússia para ver qual nação governaria a Coréia e as três províncias do nordeste da China. A maior parte da guerra foi travada em solo chinês durante um período de dezoito meses. Ambos os lados forçaram os chineses a lutar, e destruíram casas, pontes, cidades e vilas que se interpunham em suas atividades militares. Assim, eles menosprezaram a pouca soberania que a China desfrutava na época e também infligiram grandes perdas materiais e de vidas humanas à população das três províncias do nordeste.
“Na guerra russo-japonesa, dezenas de milhares de chineses foram mortos ou massacrados. Incontáveis lares foram queimados, pessoas foram privadas de seus alimentos e as colheitas foram praticamente destruídas ou usadas para alimentar os cavalos. Locais como Lüshun, onde a luta foi mais violenta, tornaram-se vastas terras devastadas e improdutivas.
“Durante a guerra, as forças japonesas massacraram e saquearam o povo chinês sob o pretexto de prender espiões. O exército russo não foi melhor, queimando as colheitas, violentando mulheres e roubando animais domésticos.”6
Eis a realidade dessa “guerra justa”.
Cuidado com as palavras enganosas
Tolstoi clamava continuamente às pessoas para que não desviassem seus olhos da verdade. Primeiro, ele se recusava a ocultar a severa realidade com palavras bonitas. Tolstoi referia-se às guerras como “a matança de homens”, às armas militares como “instrumentos da matança”, e às instalações militares como “organizações de ajuda ao trabalho da matança”. Para ele, os “gloriosos campos de batalha” eram nada mais do que “locais de extermínio”, “orgulhosos navios de guerra” eram “máquinas cruéis de matança”, e os generais cobertos de condecorações, pouco mais do que pessoas “capacitadas para matar homens com destreza”.7
É fácil dizer “vamos à guerra”, mas Tolstoi insistentemente ressaltava que a guerra resulta na morte de um grande número de pessoas, muitas delas civis inocentes. Ele também observava que quando grupos não-governamentais matavam civis, isso era considerado um crime hediondo, mas quando uma nação fazia o mesmo, era considerado como “um ato de justiça”. Quando as pessoas se deixam enganar por conceitos fabricados de “nação”, perdem de vista que o massacre a sangue-frio de seres humanos é e sempre será um assassinato. Tolstoi procurou expor essa habilidosa manipulação de palavras que nos impede de ver a verdade nua e crua.
Ele também ousou duvidar nos “homens da lei”, que tentavam demonstrar que a guerra russo-japonesa era perfeitamente justificável no que dizia respeito ao protocolo jurídico. “Protocolo”, bradava Tolstoi, “não importa que protocolo ou que precedente haja, assassinato é assassinato!” O famoso escritor também se opunha fervorosamente à pena capital.
Nesse e em muitos outros casos, Tolstoi era como aquele rapaz que lembrava que o imperador não estava vestindo roupas. Mesmo que todos achassem que uma situação é estranha ou errada, muitos pensam que certas situações são estranhas ou injustas, mas a maioria não acreditava ser suficientemente capaz de afirmar a validade de seus pressentimentos. Eles racionalizam que se pessoas importantes dizem que algo é certo ou bom, elas devem ter excelentes razões para fazê-lo. “Vamos respeitar o complexo raciocínio dos grandes eruditos, os advogados e políticos! Eles usam palavras tão difíceis e impressionantes que, certamente devem ser pessoas inteligentes. Se estão dizendo que devemos ir para a guerra, que a guerra é a única solução e que a paz é irrealizável, então elas devem estar certas. Mesmo assim, todos confessavam que não conseguiam entender por que mulheres e crianças inocentes deveriam morrer.
Nesse ambiente de aceitação tácita, chega o rapaz que proclama em voz alta que o imperador está nu — em outras palavras, surge uma pessoa que clama que a guerra é um mal absoluto.
Tolstoi declarava que uma confrontação militar é como uma doença contagiosa. Ele citava as palavras de um famoso autor: “É a guerra o que leva à guerra e o que a perpetua. O vencedor, embriagado com sua vitória, busca um novo triunfo. E o país derrotado, incomodado com a derrota, apressa-se para recuperar sua honra e suas perdas.”8 Combater a violência com a violência coloca em movimento um círculo vicioso.
Tolstoi clamava para que, em vez de lutar, os países se empenhassem para conquistar o respeito, a admiração das nações e para tornarem-se exemplos de virtude e bondade. As pessoas riam dele e o chamavam de ingênuo. Como eram tolas. Era inconcebível que o autor da grande obra Guerra e Paz ignorasse a realidade da política internacional.
Ao contrário, nada era mais ingênuo nem mais fácil do que seguir a multidão em marcha para a guerra — e isso era particularmente verdadeiro quando não havia nenhuma chance de a própria pessoa acabar na frente de batalha.
Em contraste com muitos ocidentais de sua época, Tolstoi acreditava que, no curso da “modernização”, os japoneses haviam se tornado moralmente corruptos. Ele dizia que os japoneses haviam perdido completamente sua identidade ao imitarem as características mais horrendas da cultura européia e erroneamente pensarem que ao “aprender a matar ficariam mais esclarecidos”.9 O crítico cultural japonês Kakuzo Okakura (1862–1913; pseudônimo de Tenshin Okakura) também ressaltou que os ocidentais tendiam a considerar o Japão como um país bárbaro embora favorecessem a nobre arte da paz, mas que começaram a considerá-lo civilizado a partir do momento que iniciou a matança indiscriminada nas batalhas na Manchúria.10
Buscando um mundo livre da violência
O neto de Tolstoi, Sergei Tolstoi, disse com fervor: “O que é a civilização? Meu avô acreditava que a não-violência é a verdadeira civilização. Usar a força contra a força é a lei da selva. Gostaria de trabalhar junto com os membros da SGI para construir um mundo de não-violência.” Parece que ele sabia, por experiência própria, o terror gerado pela violência.
[Nota do editor: Sergei Tolstoi (1911–1996) era filho de Mikhail Lvovich Tolstoi (1879–1944), o sétimo filho de Leon Tolstoi. Médico por profissão, sua especialidade era Medicina Psicossomática. Ele atuou como vice-presidente da representação francesa da Fundação Tolstoi, estabelecida nos Estados Unidos por sua tia Alexandra Tolstoi, e foi fundador e presidente da Associação dos Amigos de Leon Tolstoi. Sua esposa, Colette, o sucedeu como presidente dessa organização após seu falecimento.
O presidente da SGI, Daisaku Ikeda, e o Dr. Tolstoi conheceram-se em junho de 1991, por ocasião da inauguração do Museu Literário Victor Hugo, em Bièvres, subúrbio de Paris. Nessa ocasião, o Dr. Tolstoi conferiu ao líder da SGI o Certificado de Membro Honorário da Associação dos Amigos de Leon Tolstoi.]
O Dr. Sergei Tolstoi nasceu em 1911, alguns meses depois do falecimento de seu avô. Quando ele estava com seis anos, irrompeu a Revolução Russa (1917). Seu pai, Mikhail, enviou sua esposa e filhos ao Cáucaso para protegê-los dos violentos conflitos da revolução, mas esta os seguiu numa perseguição acirrada. Não havia alimentos suficientes. O pão havia desaparecido das prateleiras. Era preciso esperar horas numa fila para receber um pequeno pedaço de pão preto e duro. As pessoas lutavam desesperadamente para sobreviver.
Certo dia, um grupo de soldados com uniformes do Exército Ver- melho enlameados, brandindo baionetas, foi fazer uma busca na casa da família de Sergei. Eles pularam sobre os colchões e reviraram armários e gavetas. Achavam que seu pai estava do lado dos “imperialistas” e queriam prendê-lo. Os soldados não hesitavam em fazer reféns e torturar as pessoas em busca de informação. Um conhecido da família de Sergei havia sido preso e morto por eles.
Em outra ocasião, Sergei caminhava sozinho pela rua quando um soldado gritou “Ei, você!” e o agarrou pela nuca. “Onde seu pai está escondido?”, perguntou o homem. Quando Sergei resmungou que não sabia, o soldado empurrou o menino do lado e foi embora. Dias depois, cinco ou seis soldados vieram à sua casa novamente. Eles arrastaram a mãe de Sergei para o jardim e a prensaram contra a parede: “Onde está ele? Nós a mataremos se não disser!”
A mãe de Sergei olhou-os diretamente nos olhos e disse: “Não sei de nada!” Os soldados a amaldiçoaram e ameaçaram voltar. Proferindo insultos tolos, eles deram um tapa em seu rosto e no das crianças e partiram.11
Obrigado a permanecer escondido, Mikhail não pôde ir ao funeral de sua mãe — Sofia, esposa de Leon Tolstoi — quando ela morreu em 1919. Isso lhe causou uma grande tristeza.
Após o assassinato do czar e de seus parentes no ano anterior, a família de Sergei decidiu que partiriam de sua terra natal. Quando chegou a época, seus pais e avôs maternos, além de muitos primos, embarcaram em um trem de carga lotado. O trem parou várias vezes, perfazendo uma lenta jornada através do país. A seguir, passaram para um navio, mas o mar estava tempestuoso e todos foram tratados rudemente pela tripulação. Por volta do final de 1921, tendo passado por várias nações em sua jornada, eles finalmente chegaram à França, onde tinham parentes. Sergei estava com dez anos.
Do lado do povo
“A violência não resolve nada”, disse o Dr. Tolstoi a mim, “absolutamente nada. Os seres humanos precisam elevar-se por meio da cultura e da educação. Nesse sentido, estou feliz por testemunhar a inauguração do Museu Literário Victor Hugo”. Da janela próxima de onde estávamos conversando, podíamos ver o verde viçoso do mês de junho. Era um lugar que o grande escritor francês Victor Hugo (1802–1885) amava e visitava com freqüência em busca de inspiração poética.
No que dizia respeito à guerra, Hugo, assim como Tolstoi, colocava-se ao lado das vítimas, daqueles que seriam mortos. Em sua obra-prima, Noventa e Três, escrita em meio à violenta luta entre realistas e republicanos durante a Revolução Francesa, alguém pergunta a uma mãe: “De que partido você é?” A mãe responde: “Estou do lado de meus filhos.”12
Quando um repórter norte-americano perguntou a Tolstoi de que lado estava durante a guerra russo-japonesa, ele respondeu: “Nem do lado da Rússia nem do Japão, mas dos trabalhadores de ambos os países que são enganados por seus governos, e que vão à guerra contrariando o que lhes dita sua consciência, sua religião e seu próprio Deus.”13 A um jornal francês, ele disse: “O que é a nacionalidade para mim?... Eu estou do lado da humanidade.”14
Por volta da mesma época, o jovem escritor chinês Lu Xun (1881–1936) estudava em Sendai, no Japão. Ele concordava completamente com a posição de Tolstoi e recusava-se a ficar do lado da Rússia ou do Japão.
Tolstoi, Hugo e Lu Xun consideravam a realidade da guerra do ponto de vista daqueles que seriam mortos. Essa visão da realidade era diametralmente oposta a dos que ordenavam a matança.
Assim, Tolstoi suportou as contínuas barreiras de críticas. As pessoas o denunciavam de todos os lados: “Quando seu próprio país está em guerra, não é irresponsável declarar que não apóia nenhum dos lados? O senhor está querendo dizer que a Rússia não deveria atacar o ‘vilão’ Japão? Como é ingênuo! O mundo, conde Tolstoi, é um lugar muito diferente daquele retratado em suas fábulas. O senhor é muito fraco e sentimental!” Assim eram as críticas.
Tolstoi parafraseava os editoriais dos jornais de sua época:
“Agora ninguém pode... ser sentimental; devemos lutar, devemos desferir golpes tão fortes que sua lembrança paralise o coração traiçoeiro dos japoneses. Agora é o momento de os cruzadores irem ao mar reduzir a cinzas as cidades do Japão, navegando como uma calamidade terrível, ao longo de suas belas praias. Chega de sentimentalismo.”15
Esses jornais proclamavam que a preocupação com a morte das crianças japonesas e de civis inocentes era apenas sentimentalismo. “Essas mortes são inevitáveis; além disso, essas pessoas são inimigas!” — essa era a visão. Mas para Tolstoi, a guerra em qualquer país significava que os membros de sua “família” — a família humana — estavam sendo mortos, um após o outro, e esse era o problema mais urgente e real naquele momento.
Há uma diferença de percepção aqui que é difícil de corrigir, mais difícil que qualquer outra diferença do pensamento humano.
Extrair a força do espírito humano
Por que então as pessoas consideram a vida dos cidadãos de outras nações como menos valiosas que a sua? Tolstoi responderia que é devido ao veneno da falsa doutrina do nacionalismo.
Tolstoi gostava muito dos escritos do filósofo francês Blaise Pascal (1623–1662), que afirmava: “Pode algo ser mais estúpido do que um homem ter o direito de matar-me porque vive do outro lado do rio e seu governante tem uma disputa com o meu, embora eu não tenha nenhuma disputa com ele?”16
Embora as pessoas sejam todas membros de uma mesma família humana, o nacionalismo as divide em duas caixas separadas e ofusca a consciência de sua humanidade comum. “Essa terrível heresia”, escreveu Tolstoi, “leva as pessoas a infligir danos umas às outras e a elas mesmas, a matar e a massacrar. Somente nos livramos dessa heresia quando reconhecemos em nosso coração a fonte da vida que existe em todas as pessoas.”17 Assim Tolstoi clamava para que despertássemos para essa eterna “Fonte da Vida” e seguíssemos não as ordens das nações, que são criações da humanidade, mas a lei absoluta da vida. Precisamos, dizia ele, ponderar sinceramente e refletir por que nascemos, por que estamos aqui. Se todos fizessem isso, ninguém jamais travaria uma guerra. E a menos que se produza essa transformação na consciência da humanidade, nenhuma estrutura ou sistema, por mais habilmente planejado que seja, evitará a guerra.
Não quero argumentar aqui os méritos das idéias de Tolstoi. Isso está além do escopo deste ensaio. É importante notar, entretanto, que entre aqueles que questionaram a rejeição de Tolstoi à força militar, alguns diziam que, embora a força militar fosse necessária, ela ainda era um mal. Contudo, em algum lugar ao longo desse raciocínio, a ênfase dessa posição foi revertida e a idéia foi reformulada como sendo: “Embora a força militar seja um mal, ela é necessária.” E a partir disso, foi somente um passo até se chegar à idéia de que “já que a força militar é necessária, ela não é um mal”.
O poeta japonês Takuboku Ishikawa (1886– 1912), ao ler os escritos de Tolstoi contra a guerra russo-japonesa, comentou que, embora suas idéias fossem maravilhosas, eram impraticáveis. Mas havia uma outra pessoa naquela época que adotou uma visão contrária: ela não apenas acreditava que a posição de Tolstoi era praticável, mas ainda a considerava a única solução possível. E essa pessoa era Mahatma Gandhi (1869–1948). Posteriormente, outro grande homem inspirado por Gandhi, o ativista dos direitos civis norte-americanos Dr. Martin Luther King Jr. (1929–1968) levantou-se para lutar contra a discriminação racial.
Tanto Gandhi como King foram líderes extremamente práticos e capazes de extrair a maior força de todas — a força do espírito humano — para transformar a sociedade. Aqueles que não acreditavam nessa força desprezavam a não-violência como uma abstração impraticável, exibindo a mesma arrogância dos que se recusaram a ouvir Tolstoi no passado. Quantas dezenas de milhões — não, centenas de milhões! — de mortes resultaram dessa arrogância?
Quatro anos após Tolstoi falecer, em 1914, teve início a Primeira Guerra Mundial. Logo em seguida veio a Segunda Guerra Mundial. Depois a proliferação das armas nucleares, juntamente com os incontáveis conflitos regionais e guerras. Tolstoi advertiu que a humanidade estava correndo rumo a um precipício, e que se continuasse nesse curso, as guerras, trazendo sua terrível destruição, seriam inevitáveis.18 O “realismo” de se confiar na força militar havia aumentado, não diminuído, a freqüência das guerras. A história oferece provas objetivas e irrefutáveis desse fato.
A verdadeira luta que deveríamos travar
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, em 1945, Sergei Tolstoi visitou os Estados Unidos para realizar pesquisas acadêmicas e conhecer sua tia Alexandra. Foi um momento emocionante. Ela tinha uma forte semelhança física com seu pai Mikhail, que havia falecido dois anos antes, e a maneira que ela juntava suas mãos era exatamente como a que havia visto em tantos retratos de seu avô. “Minha tia estava vestida de modo muito simples. Tinha uns sessenta anos e seus cabelos já eram grisalhos. Mas seu espírito juvenil irradiava autoconfiança. Percebi nela uma grande dignidade e força de caráter.”
O nobre espírito de seu avô, a quem ele nunca conheceu, parecia emanar de sua tia. Os sublimes ideais de Tolstoi ressoavam vibrantemente em Alexandra. Fiel a seu juramento, ela jamais se esqueceu dos ensinamentos e dos sonhos de seu pai. O grande escritor vivia em seu coração e espírito.
Esse espírito era partilhado por Sergei e sua esposa Colette, que o sucedeu como presidente da Associação dos Amigos de Leon Tolstoi.
Tolstoi declarou em um ardente clamor pela paz que ainda hoje ressoa poderosamente:
“Sim, a grande luta de nossa época não é a que ocorre agora entre japoneses e russos, nem a que pode irromper entre as raças branca e amarela, nem a luta travada com minas, bombas, balas, mas a luta espiritual que, sem cessar, vem continuando entre a consciência iluminada da humanidade, que ainda espera poder manifestar-se, e as trevas e o fardo que cerca e oprime a humanidade.”19
Essa, para mim, é a verdadeira luta entra a civilização e a barbárie.
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