marcar-conteudoAcessibilidade
Tamanho do texto: A+ | A-
Contraste
Estudo
há 3 anos

[49] Celebrando o 3 de Maio — uma honrosa fortaleza de pessoas comuns com a missão de bodisatvas da terra

Explanação do presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda

Dr. Daisaku Ikeda

01/07/2022

[49] Celebrando o 3 de Maio — uma honrosa fortaleza de pessoas comuns com a missão de bodisatvas da terra

Explanação

Em 1993, encontrei-me com o astrônomo e físico americano Robert Jastrow (1925–2008), diretor do departamento de estudos espaciais da Nasa e personagem importante por trás do programa do pouso da nave Apollo 11 na superfície lunar. Ele me presenteou com uma grande fotografia colorida, explicando que se tratava de uma imagem da Terra capturada de dentro da nave espacial a caminho da Lua. Fotografada há cinquenta anos, em 1969, pelos astronautas da Apollo 11, mostrava nosso luminoso planeta flutuando no breu do espaço, cintilando com seus oceanos azuis e nuvens brancas.

Vista do espaço, não há fronteiras

Quando olhamos a Terra do espaço, não existem fronteiras nacionais. Essa imagem do nosso lindo planeta, oásis da vida, nos lembra da insensatez dos conflitos entre indivíduos, grupo étnicos e nações, e acentua nosso desejo pela paz.

O budismo possui ampla perspectiva do universo. Sua descrição sobre um número infinito de grandes sistemas de mundos1 se parece com a atual visão da Galáxia Via Láctea e do sistema solar junto com os incalculáveis sistemas desse mesmo tipo por todo o universo. Entre aqueles sistemas de mundo se encontra o nosso planeta, conhecido nos sutras budistas como mundo saha2 ou Jambudvipa.3

Os bodisatvas da terra juraram propagar o Sutra do Lótus por todo o Jambudvipa, ou seja, o mundo inteiro. E hoje, os membros da Soka Gakkai, companheiros bodisatvas da terra que vivem juntos na Terra, o planeta-mãe, nosso lar comum, erguem alto a bandeira do humanismo budista enquanto se empenham vigorosamente para compartilhar a Lei Mística com os outros.

O kosen-rufu do Jambudvipa (o mundo inteiro) progride a passos largos e a filosofia humanística do Budismo Nichiren está se propagando amplamente, transcendendo fronteiras e diferenças étnicas, culturais e de idiomas. Tenho a certeza de que meu mestre, segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, que defendia o conceito de cidadania global, ficaria encantado ao observar a dimensão da nossa rede de bodisatvas da terra, que hoje abraça todo o planeta. Enquanto estava preso pelas autoridades militaristas da época da guerra, Toda sensei despertou para sua identidade como bodisatva da terra e para a profunda missão que a Soka Gakkai possuía desde o remoto passado. Isso ocorreu há setenta e cinco anos (em 1944).

Convenção Cultural dos Jovens Monarcas da Nova Era

Convenção Cultural dos Jovens Monarcas da Nova Era realizada no Ginásio do Ibirapuera reúne 16 mil jovens (São Paulo, 3 maio 2009) Foto: BS

Um movimento popular global

Ao celebrarmos mais uma vez a data de 3 de maio, Dia da Soka Gakkai, gostaria de reiterar que a Soka Gakkai constitui a legião de bodisatvas da terra, uma grande rede global de pessoas unidas pelo juramento seigan em prol do kosen-rufu.

Estar sempre do lado do povo é o ponto primordial da Soka Gakkai, um agrupamento de bodisatvas que emergiu bailando alegremente da terra.

O surgimento, no mundo saha dos Últimos Dias da Lei, de pessoas comuns dedicadas a praticar o caminho do bodisatva de celebrar o potencial de todos os seres humanos corresponde ao magnífico drama e dinâmico surgimento dos bodisatvas da terra na Cerimônia no Ar4 do Sutra do Lótus.

Trecho do escrito 1

Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente5

Desse modo, podemos dizer que os bodisatvas que emergem da terra são os bodisatvas do ensinamento essencial.6 A palavra “essencial” ou “original” representa os benefícios transferidos do passado há kalpa de partículas de pó de incontáveis grandes sistemas de mundos,7 benefícios que são sem início e sem fim.

Esses bodisatvas são possuidores da Lei essencial ou original. A Lei original é o Nam-myoho-renge-kyo. (...) O ato de abraçar e manter essa Lei original é expressa unicamente no ideograma [com que se escreve a palavra] “crença” ou “fé”. O único ideograma [com que se escreve a palavra] “fé” é a espada afiada com a qual a pessoa extermina a escuridão ou ignorância fundamental.8 O comentário [Palavras e Frases do Sutra do Lótus, de Tiantai] diz “Crer significa ser destituído de dúvidas”. Devem refletir sobre isso. (OTT, p. 119–120)

Possuidores da Lei original desde o remoto passado

No Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente, sob o cabeçalho “Capítulo 15: Emergindo da Terra / Um ponto importante”, Daishonin diz: “Nichiren e seus seguidores, que agora recitam Nam-myoho-renge-kyo, devem todos [ser considerados entre] esses bodisatvas que emergiram da terra” (OTT, p. 118). Essa passagem representa uma prova documental importante de que todos os membros da Soka Gakkai são bodisatvas da terra com uma nobre missão.

Qualquer um que se levante para propagar a grande Lei é um bodisatva da terra. Pessoas assim são bodisatvas unos com o Buda do remoto passado e a vida deles é repleta de “benefícios que são sem início e sem fim” (Ibidem, p. 119).

A passagem acima afirma que os bodisatvas da terra são “possuidores da Lei essencial ou original” (Ibidem). São os “verdadeiros discípulos”9 que abraçaram a Lei original do Nam-myoho-renge-kyo e firmaram o juramento de dedicar a vida a propagar a grande Lei no mundo saha cheio de conflitos.

Os bodisatvas da terra vêm se empenhando e fortalecendo, de maneira diligente, sua decisão na prática budista desde o remoto passado.10 Essa é a razão pela qual eles surgiram corajosamente no impuro mundo saha, vivendo com garra e força numa era em que os “três venenos”11 se alastram de forma desenfreada. Eles permanecem puros sem se deixar macular pelo pântano da escuridão ou ignorância fundamental, assim como a “flor de lótus na água”12 (LSOC, cap. 15, p. 263).

Como os bodisatvas da terra mantêm a Lei original do Nam-myoho-renge kyo? Por meio do único ideograma [com que se escreve a palavra] “crença”, ou “fé”, afirma Daishonin. Eles preservam firmemente a Lei com uma fé livre de dúvidas, abraçando-a sem afastá-la de sua vida nem por um instante sequer.

“O único ideograma [com que se escreve a palavra] ‘fé’ é a espada afiada com a qual a pessoa extermina a escuridão ou ignorância fundamental” (OTT, p. 119-120) — gravemos essas palavras profundamente em nossa vida. A “espada afiada” da fé é que nos permite triunfar em todas as batalhas contra os “três obstáculos e quatro maldades”13 e os “três poderosos inimigos”14 e construir uma sólida rede dedicada à propagação da grande Lei, o grandioso ensinamento do respeito à dignidade da vida, no mundo saha.

Emergindo do mundo da verdade fundamental da vida

Daishonin observa que antes de realizarem seu advento, os bodisatvas da terra habitavam a “região inferior”, que representa a verdade fundamental da vida, descrita [pelo grande mestre Tiantai] como “as profundezas da natureza do Darma, a derradeira região da profunda fonte”15 (OTT, p. 119). Simboliza um reino fértil “debaixo da terra” que origina e nutre todas as coisas, sustentando-as de baixo para cima e provendo-lhes ilimitada força.

Os bodisatvas da terra irrompem poderosamente dessa base de todas as coisas, emergindo como “Seres solenes e dignos, de grande e nobre estatura” (CEND, v. I, p. 264).

Daishonin afirma: “‘Emergir’ [da expressão ‘emergir da terra’] significa que na época do kosen-rufu, os seres vivos de todo o Jambudvipa [o mundo inteiro] serão praticantes do Sutra do Lótus (GZ, p. 834).16 De forma admirável, neste momento, praticantes, mestres e discípulos, dedicados à sublime missão do kosen-rufu estão surgindo simultaneamente por todo o planeta. Essa é a Soka Gakkai.

A grande nau da Lei Mística cruzando os mares agitados

O objetivo da Soka Gakkai é que o nosso movimento popular se torne o “pilar” sustentando a paz em todo o mundo; sirva de “olhos” que discernem claramente o futuro, com o foco oncentrado em criar esperança; e ser a “grande nau” com a compaixão de levar a bordo todos os seres vivos, unir o mundo, cruzar os mares agitados do nosso tempo e criar a nova história de felicidade e paz para a humanidade.

Com a convicção de que estamos no “navio certo da conquista histórica”,17 partimos com grande entusiasmo na esperançosa jornada do kosen-rufu do Jambudvipa [o mundo inteiro], permanecendo no centro da grande nau como o “mastro do ensinamento único do caminho do meio [Nam-myoho-renge-kyo]”18 (CEND, v. I, p. 34).

Essa analogia possui um profundo significado. Se conseguirmos sobreviver aos mares tempestuosos, as águas, por fim, se tornarão calmas novamente. Nas ondas turbulentas da história, podemos ver a capacidade intrépida da humanidade de superar as adversidades. Mesmo em face de conflitos e desastres naturais, somos capazes de restaurar e reconstruir solidamente a nossa vida. Assim são a força e resiliência das pessoas comuns. Contanto que o “mastro do ensinamento único do caminho do meio” permanecer firme, poderemos continuar navegando.

A Soka Gakkai trilha a grande estrada do caminho do meio

A organização Soka Gakkai sempre trilhará a grande estrada do caminho do meio, pois essa é a essência do budismo.

Fazendo um retrospecto sobre o processo pelo qual atingiu a iluminação, Shakyamuni disse que despertou para o caminho do meio, transcendendo os extremos do hedonismo e do ascetismo.

Em Atingir o Estado de Buda nesta Existência, Daishonin explana o verdadeiro significado do caminho do meio:

A vida é, de fato, uma realidade impalpável que transcende tanto as palavras como os conceitos de existência e não existência. Não é existência nem não existência; porém, mostra características de ambas. É a entidade mística do caminho do meio, ou seja, a realidade fundamental. Myo é o nome dado à natureza mística da vida. (CEND, v. I, p. 4)

O caminho do meio não se refere a uma condição de neutralidade ou de ecletismo nem a uma média entre dois extremos. Antes, consiste no processo de alcançar o caminho de acordo com a verdade e a razão. É viver com base em uma perspectiva de vida completa e holística.

Há muitas dualidades no nosso mundo — existência e não existência, bem e mal, materialismo e espiritualismo, capitalismo e comunismo, nativos e estrangeiros, maioria e minoria, os outros e eu, e assim por diante.

Quando nos agarramos a essas dualidades, tendemos a nos inclinar para um lado e rejeitar o outro.

A visão budista de caminho do meio, contudo, é inteiramente diferente. Ela não rejeita nenhum lado, pois ambos envolvem seres humanos. O budismo genuíno é um ensinamento perfeito que abarca tudo. Viver trilhando a grande estrada do caminho do meio se refere a fazer uso positivo de tudo e criar novo valor.

Tudo se resume ao bem-estar das pessoas

Na época em que Toda sensei foi empossado como segundo presidente da Soka Gakkai, em 3 de maio de 1951, a Guerra da Coreia se alastrava de forma devastadora. Tomado de dor pela miséria causada pelo conflito, ele redigiu um artigo intitulado “Kosen-rufu e a Guerra da Coreia”, que foi publicado na Daibyakurenge, revista mensal de estudo da Soka Gakkai.

No texto, ele expressou sua profunda compaixão por aqueles cuja vida havia sido despedaçada pela guerra, escrevendo: “Dói pensar que a guerra faça incalculáveis pessoas perderem o marido ou a esposa e deixe muitas vagando em busca de filhos ou pais desaparecidos”. Em vez de ficar discutindo acertos e erros das políticas e ideologias dos lados opostos do leste e do oeste dos conflitos, sua única preocupação era o sofrimento daqueles arrebatados pela tragédia.

Toda sensei proferiu sua histórica Declaração pela Abolição das Armas Nucleares no Estádio de Mitsuzawa, em Yokohama, em 8 de setembro de 1957. Esse manifesto, a mais importante dentre suas instruções finais para a Divisão dos Jovens, também irradia o brilho da sabedoria do caminho do meio. Era uma época em que os dois lados da Guerra Fria em andamento justificavam gelidamente a posse de crescentes arsenais de armas nucleares.

Toda sensei atingiu o cerne da questão — a natureza demoníaca do poder que ameaçava a própria sobrevivência da humanidade — denunciando as armas nucleares como um mal absoluto, bem como o raciocínio que tentava justificar o seu uso. Ele também percebeu que o único caminho para solucionar fundamentalmente o problema seria edificar uma solidariedade cada vez maior entre pessoas que desejassem e se manifestassem pela paz.

O caminho do meio certamente não é fácil de seguir. Na verdade, é um curso difícil, que exige imensa sabedoria; uma estrada grandiosa e honrada trilhada por campeões de espírito. Essa sabedoria nasce do ato de viver de acordo com o princípio de sempre se empenhar para trabalhar com, entre e pelo povo.

O caminho do meio não é de forma alguma a escolha fácil. É um caminho difícil ao extremo embasado na sabedoria cujo princípio é essencialmente em prol do povo, e junto com o povo. Constitui um modo de vida pautado pela fé absoluta na dignidade de todos, valorizando cada indivíduo e permanecendo com a raízes firmemente fincadas no solo do povo, sendo, portanto, essencialmente pacifista. Repudia o extremismo violento movido pela impaciência, em benefício de um gradualismo constante que respeite de forma integral a nobreza dos seres humanos e de uma filosofia de genuíno humanismo.

Trecho do escrito 2

Carta para Jakunichi-bo19

No sutra consta: “Assim com a luz do Sol e da Lua pode dissipar totalmente a penumbra e a escuridão, esta pessoa, em sua passagem pelo mundo, é capaz de erradicar a escuridão dos seres vivos” [LSOC, cap. 21, p. 318; capítulo “Os Poderes Sobrenaturais d’Aquele que Assim Chega”]. Considere com atenção o significado dessa frase. “Esta pessoa, em sua passagem pelo mundo” indica que os primeiros quinhentos anos dos Últimos Dias testemunharão o advento do bodisatva Práticas Superiores, que iluminará a escuridão da ignorância e dos desejos mundanos com a luz dos cinco ideogramas do Nam-myoho-renge-kyo.20 De acordo com essa passagem, Nichiren, como emissário desse bodisatva, tem exortado as pessoas do Japão a abraçar e manter o Sutra do Lótus. (CEND, v. II, p. 259-260)

Este mundo real é o palco de atuação dos bodisatvas da terra

Daishonin cita a passagem do capítulo “Poderes Sobrenaturais d’Aquele que Assim Chega” do Sutra do Lótus como prova documental de que ele possui a missão do bodisatva Práticas Superiores.

Vale ressaltar a frase “Esta pessoa, em sua passagem pelo mundo”. Em outras palavras, é neste mundo real, não em algum reino distante, que os bodisatvas da terra realizam suas atividades.

Enquanto estava sendo interrogado na prisão durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente fundador da Soka Gakkai, Tsunesaburo Makiguchi, citou esse capítulo do Sutra do Lótus e proclamou corajosamente a retidão do Budismo Nichiren, realizando shakubuku. Esse fato está registrado na transcrição oficial de seus interrogatórios.

De modo geral, o budismo é considerado um ensinamento que transcende o âmbito secular. Isso porque defendia que o indivíduo se libertasse do mundo real, o qual é envolto pela escuridão da ignorância e dos desejos mundanos, repleto de sofrimentos. No entanto, longe de se retirar do mundo, o bodisatva Práticas Superiores — líder dos bodisatvas da terra incumbido, no Sutra do Lótus, de propagar o budismo após a morte de Shakyamuni — segue através dele. Ou seja, efetua sua prática budista em meio às realidades deste mundo.

“Prática da fé é a própria vida diária” e “budismo é a própria sociedade”

Em O Kalpa de Diminuição, Daishonin escreve: “A pessoa de sabedoria não é a que pratica o budismo à parte dos assuntos seculares; em vez disso, ela tem plena compreensão dos princípios que regem o mundo” (CEND, v. II, p. 389). Makiguchi sensei sublinhou essa passagem em seu exemplar dos escritos de Nichiren Daishonin.

A sabedoria para guiar as pessoas para a felicidade é, em si, o budismo. Considerar o budismo e os assuntos mundanos separados e valorizar mais um que o outro não são caminho do meio.

Oramos intensamente diante do Gohonzon pelos problemas que enfrentamos na vida, esforçando-nos com afinco e explorando nossa engenhosidade para resolvê-los. Quando realizamos nossa prática budista com firmeza e perseverança em meio às duras realidades da sociedade e dedicamos a vida ao kosen-rufu, a sabedoria do buda sem falta aflora em nosso interior. Aqueles que encaram esses desafios são realmente pessoas de sabedoria que vivem de acordo com o verdadeiro caminho do meio da “prática da fé é a própria vida diária” e do “budismo é a própria sociedade”.

O ponto crucial da frase “Esta pessoa, em sua passagem pelo mundo” (LSOC, cap. 21, p. 318) é praticar ou agir.

“A prática do Myoho-renge-kyo” (OTT, p. 119), recitar e propagar a Lei Mística, é desempenhada no mundo real. Tudo na vida possui significado e faz parte da nossa prática budista para realizar a nossa revolução humana.

A religião existe para ajudar as pessoas a se tornar felizes e melhorar o mundo

“O budismo é um ensinamento para a vida diária”, declarou Makiguchi sensei. Ele buscou trazer a paz espiritual da religião para a realidade da nossa vida, pessoal e social. Ele escreveu: “Qual é o papel social da religião, exceto trabalhar pela felicidade da humanidade e tornar o mundo um lugar melhor? Não haveria valor benéfico em auxiliar as pessoas a se tornar felizes? Não haveria valor moral em melhorar o mundo?”.21

Que declaração contundente!

Em nossas sessões de aulas particulares que denominei de “Universidade Toda”, Toda sensei observou mais de uma vez que havia chegado a hora de considerarmos tudo não apenas da perspectiva do bem-estar da sociedade, mas também do destino do mundo inteiro.

Ação baseada no caminho do meio confiada pelo Dr. Toynbee

Há exatos cinquenta anos, em 1969, recebi uma carta do ilustre historiador britânico Arnold J. Toynbee (1889–1975) solicitando-me que tomasse parte num diálogo com ele.

Nosso diálogo, que se estendeu por mais de quarenta horas distribuídas ao longo de um período de dois anos, foi publicado em inglês sob o título Choose Life [Escolha a Vida]. Tenho certeza de que o Dr. Toynbee ficaria felicíssimo se pudesse ver o impacto que teve no mundo todo.

Durante o tempo que passamos juntos, o Dr. Toynbee citou as seguintes palavras do dramaturgo Terêncio, da Roma antiga: “Sou homem e nada do que é humano me é estranho”.22 O Dr. Toynbee considerava suas as experiências de todas as pessoas, não as via como algo sem relação com ele e, portanto, jamais rejeitava ou ignorava alguém. Por isso, foi capaz de ir além da visão centrada na civilização ocidental e adotar uma perspectiva mais imparcial sobre a ascensão e queda das civilizações, descobrindo o enorme poder das pessoas e das ideias — que ele denominou de “movimentos mais profundos e lentos que, no fim, fazem a história”.23

Quando nosso diálogo se encerrou, ele [Toynbee] me incentivou dizendo que o caminho do meio do budismo, que eu defendia, certamente era o melhor caminho a ser seguido. Na reunião inaugural da SGI (em Guam, no dia 26 de janeiro de 1975), transmiti esse insight do Dr. Toynbee. Ele também me exortou a criar um dinâmico turbilhão de diálogos ao redor do mundo. Expressando sua convicção de que o diálogo possui um papel extremamente relevante a desempenhar na promoção da harmonia entre diferentes civilizações, povos e religiões, ele insistiu para que eu, como alguém ainda jovem, continuasse empreendendo diálogos dessa natureza com pessoas de vários países, incluindo a União Soviética (atual Rússia), os Estados Unidos e a China.

O Dr. Toynbee incumbiu-me de provocar um redemoinho de diálogos por meio da sabedoria do caminho do meio e, desse modo, abrir um caminho para a harmonia e coexistência.

Porque há pessoas lá

Respondi com ação.

Não muito tempo depois do fim do nosso diálogo, visitei os Estados Unidos, a China e a União Soviética em rápida sucessão. Uma gélida e proibitiva barreira de desconfiança e divisão separava aqueles países durante a Guerra Fria, e o antagonismo entre a China e a União Soviética era acirrado.

Quando parti para a China, disse para aqueles que foram se despedir de mim: “Cheguei até aqui junto com as pessoas repudiadas por ser pobres e doentes, sem depender de poder ou dinheiro”.

A Soka Gakkai é uma organização de pessoas comuns. Estava convencido de que, contanto que mantivéssemos esse sólido alicerce em meio às pessoas comuns, poderíamos construir pontes de amizade com os outros, não obstante sua ideologia ou sistema político.

Antes da minha partida para a União Soviética, alguns me perguntaram por que eu, líder de uma organização budista, estava indo visitar uma nação que rejeitava a religião. Respondi sem hesitar que era porque havia pessoas lá e queria me encontrar com elas.

Qualquer lugar onde haja pessoas, qualquer lugar onde as pessoas estejam vivendo no mesmo planeta Terra, nosso lar comum, tem ligação comigo. Foi com essa convicção que construí amizades e estreitei laços de confiança com meus semelhantes, cidadãos globais, transcendendo divisões nacionais ou políticas e sistemas de valores divergentes, e não importando qual fosse sua crença religiosa.

Agora é hora de fazer a Terra, o planeta-mãe, irradiar cada vez mais intensamente o brilho do tesouro do respeito à vida e aos seres humanos. Edifiquemos um planeta onde todos os seres vivos possam existir juntos em bela harmonia, um mundo onde todos sejam celebrados e possam desfrutar paz e felicidade.

Estender a mão a um amigo necessitado

A Soka Gakkai é uma fortaleza de pessoas comuns que selaram o juramento de se tornar um farol de esperança para os outros. É uma rede de pessoas trabalhando juntas alicerçadas na convicção de que podem gerar felicidade para si e para os outros por meio da própria revolução humana.

Em Carta para Jakunichi-bo, Daishonin escreve: “Aqueles que se tornarem discípulos e seguidores leigos de Nichiren deveriam compreender os profundos laços cármicos que compartilham com ele e propagar o Sutra do Lótus da mesma maneira que ele faz” (CEND, v. II, p. 260).

Superemos todas as diferenças e obstáculos e estendamos a mão a um amigo necessitado. Transbordando a alegria decorrente de viver com a consciência dos profundos laços cármicos de mestre e discípulo, propaguemos o Budismo do Sol de Nichiren Daishonin entre as pessoas.

Uma nova jornada rumo à paz global

Meus queridos amigos, bodisatvas da terra do século 21! Meus admiráveis companheiros Soka! Soou o sino para zarparmos novamente rumo à nossa odisseia a fim de concretizarmos o kosen-rufu do Jambudvipa [o mundo inteiro] e a paz em todo o planeta.

Trabalhando com uma união de ‘diferentes em corpo, unos em mente’ (itai doshin) ainda mais sólida, vamos nos incentivar mutuamente e continuar seguindo avante juntos!

(Daibyakurenge, edição de maio de 2019)

Com a colaboração/revisão do Departamento de Estudo do Budismo (DEB) da BSGI

No topo: Pintura retrata Daisaku Ikeda em sua posse como terceiro presidente da Soka Gakkai (3 maio 1960)

Notas:

1. Grande sistema de mundos (sanzen-daisen-sekai): Também “um bilhão de mundos”. Um dos sistemas de mundos descritos na cosmologia indiana antiga. Cada mundo consiste em um Monte Sumeru, mares e cadeias de montanhas circundantes, um sol, uma lua e outros corpos celestes. Mil mundos formam um pequeno sistema de mundos; mil pequenos sistemas de mundo compõem um médio sistema de mundos; mil médios sistemas de mundo constituem um grande sistema de mundos. Assim, um grande sistema de mundos compreende um bilhão de mundos. No total, eles são referidos como os três mil mundos.

2. Mundo saha: Este mundo, cheio de sofrimento. Muitas vezes traduzido como o mundo da “resistência”, em sânscrito, saha indica a terra. O termo deriva-se do radical “suportar” ou “resistir”. Por essa razão, nas versões chinesas das escrituras budistas, saha é traduzido como “resistência”. Nesse contexto, mundo saha refere-se a um mundo no qual as pessoas precisam suportar o sofrimento.

3. Jambudvipa: Termo da cosmologia indiana antiga para denominar o mundo todo.

4. Cerimônia no Ar: Uma das três assembleias descritas no Sutra do Lótus, na qual a multidão é suspensa no espaço acima do mundo saha. Estende-se do capítulo 11, “Torre de Tesouro”, ao 22, “Transferência”, do sutra. Os pontos centrais dessa cerimônia são: revelar a iluminação original do Buda [Shakyamuni] no remoto passado e transferir a essência do sutra aos bodisatvas da terra liderados pelo bodisatva Práticas Superiores.

5. Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente: Coletânea de ensinamentos orais de Nichiren Daishonin sobre o Sutra do Lótus proferidos enquanto ele vivia no Monte Minobu. Foram anotados e compilados em dois volumes pelo seu discípulo e sucessor Nikko Shonin.

6. Ensinamento essencial: Ensinamento exposto por Shakyamuni a partir da perspectiva de sua verdadeira identidade como o Buda que atingiu a iluminação há kalpa de partículas de pó de incontáveis sistemas de mundos. Consiste nos catorze últimos capítulos do Sutra do Lótus, do 15, “Emergindo da Terra”, ao 28, “Encorajamento do Bodisatva Mérito Universal”.

7. Kalpa de partículas de pó de incontáveis grandes sistemas de mundos (gohyaku jintengo): Período inconcebivelmente longo descrito no capítulo 16, “A Extensão da Vida”, do Sutra do Lótus, para indicar o tempo transcorrido desde que Shakyamuni atingiu a iluminação pela primeira vez.

8. Escuridão ou ignorância fundamental: Ilusão inerente à vida mais profundamente arraigada, que dá origem a todas as demais ilusões e desejos mundanos. Incapacidade de ver ou reconhecer a verdade, em especial, a verdadeira natureza da vida.

9. Em Resposta à Niiama, Daishonin escreve: “Ele [o Buda] declarou: ‘...Tenho mantido os meus verdadeiros discípulos ocultos nas profundezas da terra, durante kalpa de partículas de pó de incontáveis grandes sistemas de mundos. Transmitirei [a propagação de] esse ensinamento [o Sutra do Lótus] a eles’. Assim dizendo, o Buda convocou o bodisatva Práticas Superiores e os outros bodisatvas da terra, e lhes transmitiu os cinco ideogramas do Myoho-renge-kyo, o coração do ensinamento essencial do Sutra do Lótus” (CEND, v. I, p. 488-489).

10. Em O General Tigre de Pedra, Daishonin escreve: “O buda Shakyamuni [confiou a tarefa da propagação] aos bodisatvas da terra (...) que foram plenamente forjados em sua determinação” (CEND, v. II, p. 218).

11. “Três venenos”: Avareza, ira e estupidez; males fundamentais inerentes à vida, que originam o sofrimento humano. No Tratado sobre Grande Perfeição da Sabedoria do renomado estudioso do Mahayana Nagarjuna, os “três venenos” são assim denominados por macular a vida das pessoas e atuar para impedi-las de voltar o coração e a mente para o bem.

12. Essa passagem do capítulo 15, “Emergindo da Terra”, do Sutra do Lótus, diz: “[Eles] não se deixam macular por questões seculares assim como a flor de lótus na água. Emergindo da terra (...)” (LSOC, cap. 15, p. 263).

13. Os “três obstáculos e quatro maldades” são vários obstáculos e adversidades que tentam impedir a prática budista. Os “três obstáculos” são: (1) obstáculo dos desejos mundanos; (2) obstáculo do carma; (3) obstáculo da retribuição. As “quatro maldades” são: (1) maldade dos cinco componentes; (2) maldade dos desejos mundanos; (3) maldade da morte, e (4) maldade celestial.

14. “Três poderosos inimigos”: Três tipos de pessoas arrogantes que perseguem aqueles que propagam o Sutra do Lótus na era maléfica após a morte do buda Shakyamuni, descritos na parte em verso que conclui o capítulo 13, “Encorajamento à Devoção”, do Sutra do Lótus. O grande mestre Miaole da China os resume como leigos arrogantes, sacerdotes arrogantes e falsos sábios arrogantes.

15. Tiantai. Palavras e Frases do Sutra do Lótus, v. 9.

16. Oko Kikigaki [Preleções Registradas]; não incluído no The Writings of Nichiren Daishonin (WND) [Os Escritos de Nichiren Daishonin], v. I ou II.

17. Um verso da canção da Soka Gakkai Kofu ni Hashire [Avante rumo ao Kosen-rufu].

18. Em Um Barco para Atravessar o Mar dos Sofrimentos, Daishonin compara o Sutra do Lótus a um barco transportando todos os seres vivos pelo mar dos sofrimentos do nascimento e da morte (cf. CEND, v. I, p. 34).

19. Redigida em 1279, Carta para Jakunichi-bo é endereçada a um os discípulos de Daishonin que supostamente morava na província de Awa (parte da atual província de Chiba), sendo enviada por meio de um discípulo chamado Jakunichi-bo.

20. Myoho-renge-kyo é escrito com cinco ideogramas chineses, enquanto Nam-myoho-renge-kyo, com sete (nam, ou namu, compreendendo dois ideogramas). Daishonin, porém, muitas vezes emprega Myoho-renge-kyo como sinônimo de Nam-myoho-renge-kyo em seus escritos.

21. Traduzido do japonês. MAKIGUCHI, Tsunesaburo. Soka Kyoikugaku Taikei [Sistema Pedagógico de Criação de Valor]. In: Makiguchi Tsunesaburo Zenshu [Obras Completas de Tsunesaburo Makiguchi]. Tóquio: Daisanbunmei-sha, v. 5, p. 356, 1982.

22. TERENCE. The Self-Tormentor [O Homem que Puniu a si Mesmo]. In: The Comedies. Tradução: Peter Brown. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 104.

23. TOYNBEE. Arnold, J. Civilization on Trial [Civilização Posta à Prova]. Nova York: Oxford University Press, 1948. p. 213.

Compartilhe

Copy to clipboard